quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A Roda da Fortuna

verbenna yin
Ansata Tarot
Na imagem deste arcano vemos uma grande roda girando, ladeadas por duas figuras de animais num cenário escuro. Acima da roda repousa a Esfinge e atrás da roda está o Sol e a imagem sugere que a roda está em movimento ora levando um animal para cima, ora o outro, numa constante alternância entre eles conforme a roda gira. 

Na interpretação tradicional do tarot esta imagem está associada ao reconhecimento de que existem forças maiores que nós que atuam em nossa vida, as quais não podemos controlar nem impedir, sugerindo que há momento em que temos que nos render às imposições que a existência nos traz.

Mas se relacionarmos os símbolos com os mitos podemos encontrar uma correspondência interessante com a noção Junguiana a respeito dos processos intrapsíquicos de compensação de energia, alteridade entre os aspectos opostos da psique e autorregulação do sistema psíquico na busca pelo SELF (o si-mesmo, a essência).

Enquanto símbolo, o Sol é a esfera que indica o contato com o SELF e o sucesso no caminho pelo autorreconhecimento, mas aqui nesta carta o Sol está atrás da Roda. Apesar de presente, ele está obscurecido pelas figuras mitológicas e não é suficiente para clarear o cenário total, sugerindo que o caminho rumo ao SELF ainda esteja escondido no inconsciente individual.

Já a roda parece ser um simulacro do SELF, uma pré idealização do que esse SELF poderia ser pois a forma circular também se apresenta e nisso há a possibilidade de movimento. A invenção da roda deu-se para isso, para conferir movimento às civilizações que precisavam se deslocar em busca de água e sobrevivência.

O fato de ser a roda e não o Sol o objeto central deste arcano faz muito sentido se considerarmos que o 10 ainda está na metade do percurso dos arcanos maiores do tarot, com 22 cartas. Então ainda estamos na fase inicial da jornada pela individuação, não sendo mesmo esperado que nessa etapa se conquiste tão fácil acesso aos conteúdos psíquicos mais profundos.

Abaixo da imagem estão as serpentes, animais que são relacionados ao conhecimento do que é proibido e indicam o perigo da intoxicação pelo veneno que esse saber pode representar. As serpentes se entrelaçam no mastro da roda como num Caduceu de Mercúrio, reforçando esse aspecto de que há um conhecimento nessa área mais funda da imagem, mas o caminho para esse acesso é perigoso.

Do lado direito da imagem vemos uma cabra com cauda de peixe na posição ascendente, que faz relação com o símbolo do signo de Capricórnio, o qual, por sua vez, na Astrologia sustenta a noção de resiliência e ambição que nos motiva a realizar o que for preciso para ascendermos pessoal e socialmente. Num paralelo com a dinâmica psíquica proposta por Jung, aqui temos uma correspondência com a figura da Persona, aquela área da consciência que funciona como “relações públicas” do Ego e nos apresenta ao mundo de uma forma positiva e eficiente a fim de permitir nossa melhor adaptação ao mundo externo.

Do lado oposto se encontra um cão com mãos no lugar das patas e um rabo também de serpente que se entrelaça na roda, indicando que na direção contrário se encontram os apegos e os instintos mais primitivos que nos conduzem de volta para a região desconhecida e escura do inconsciente.

A alternância entre essas duas figuras pode ser comparada à alternância entre as forças psíquicas entre a Persona e a Sombra, pois segundo Jung quanto mais energia se coloca na construção da nossa Persona mais energia empregamos para reprimir aqueles nossos atributos que não consideramos coerentes com essa ideia consciente de nós mesmos, criando assim material equivalente na área inconsciente – a Sombra.

E seguindo os princípios de equivalência e constância, Jung formulou que a própria psique produz um movimento de alternância entre esses dois aspectos, que são contrários entre si, e esse movimento visa a compensação dessas forças internas em busca de uma autorregulação psíquica.

Não é possível sermos apenas nossa Persona, por mais que coloquemos intenção e energia nela, esse aspecto geralmente não contempla nossa totalidade e viver apenas a Persona é uma grande mentira, uma desonestidade com a gente mesmo. Por isso, de tempos em tempos nossa psique libera a energia da Sombra, a fim de que possamos entrar em contato com essas partes de nós reprimidas e relegadas ao esquecimento do inconsciente, para que possamos nos colocar em termos com elas.

A esse movimento espontâneo e inconsciente, Jung chamou de Enantiodromia. A Enantiodromia é um processo que ocorre no inconsciente, o indivíduo não se dá conta de nada e segue sua vida sem notar os efeitos psíquicos em si mesmo nem os efeitos práticos no seu dia a dia. Mas a falta de consciência não impede o movimento interno pois a alteridade e a compensação seguem a lei universal da integração dos opostos.

Esse é o mesmo princípio da física que move o pêndulo, de um lado para o outro. Enquanto a força empregada for a mesma, o pêndulo se moverá para a esquerda e para a direita, mantendo a força total do movimento mas seguindo um ritmo de compensação constante.

Para Jung, é impossível refrearmos o movimento natural da psique na direção da autorregulação, apenas seguimos o movimento e vamos experimentando na realidade física situações práticas que refletem essa movimentação do ambiente interno.

Quando não temos consciência desse sistema de autorregulação, apenas nos damos conta de que alguns eventos sempre se repetem. Pode ser os nossos relacionamentos afetivos que não passam de um determinado ponto, pode ser que não consigamos nos estabelecer profissionalmente, somos prejudicados por colegas de trabalho, somos injustiçados, rejeitados ou feridos sempre da mesma maneira.

Essa é a forma do inconsciente reproduzir no ambiente externo o movimento da roda, ora subindo e ora descendo, até que possamos nos aperceber desse processo e nos apropriarmos dele com consciência – o que se relacionará com outro arcano mais pra frente.

E no fundo o que conseguimos captar desse movimento é o que se apresenta no exterior mesmo, nos damos conta da repetição e quando essa repetição nos incomoda é que vamos buscar do lado de dentro o que esse padrão diz a nosso respeito. E pra não deixar de citar Freud: "Repetir, Recordar e Elaborar".

Aqui ainda não há possibilidade para a elaboração, o Sol da consciência não reina nesse arcano. Por hora, enquanto o processo acontecer por força da enantiodromia as repetições podem até ser percebidas mas sentimos que não temos força para evitá-las e às vezes só as vemos mesmo quando já aconteceram e temos que lidar com as suas consequências, tamanha a nossa falta de percepção e inconsciência.

Por isso Jung afirma com tanta propriedade que: “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chama-lo de destino.”

Este arcano se refere a esse momento da vida, em que temos apenas o vislumbre das repetições e notamos um certo padrão, já que o Sol está presente na carta e indica que o Ego consciente conseguiu captar a existência do processo de repetições.

Essa é a chance de se dedicar ao escrutínio dos eventos passados e perceber qual o sentido dessa narrativa oculta, o que geralmente vai acontecer no ambiente terapêutico e já na vida adulta, pois a presença do Sol nos diz que o Ego consciente está fortalecido para suportar o encontro com os conteúdos do inconsciente.

Quando a Roda da Fortuna se apresenta numa leitura terapêutica, a pessoa pode estar justamente iniciando as elaborações conscientes necessárias para entender melhor sua história pessoal e a queixa principal que a levou a procurar pela análise, sendo uma ótima oportunidade para aprofundar a terapêutica e ampliar as formas de acesso ao inconsciente com outras técnicas que possam acelerar o processo.

Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise