domingo, 29 de março de 2015

A Justiça

o ajustamento
Tarot de Thoth
Uma mulher segurando uma espada em pé, posicionada entre uma balança perfeitamente equilibrada em seus ombros.

A mulher também se equilibra sobre uma pequena superfície, na ponta dos pés, apoiada na lâmina cortante.

A imagem também está perfeitamente equilibrada em sua representação gráfica, complementada por esferas correspondentes em verde e azul acima e abaixo da mulher.

Na balança, os pesos são as letras Alfa e Ômega, dando a ideia de que o “Todo” está em constante equilíbrio. 

Qualquer movimento desmancharia a postura da mulher: se ela escorregar um dos pés, se cortará na espada e cairá; se um dos lados da balança for mais pesado, não será possível manter o apoio nos ombros da mulher; se uma das esferas sair do lugar, afetará sua correspondente acima ou abaixo.

Tudo nesta carta nos remete ao significado central deste arcano: Equilíbrio. E esse significado está muito evidente na imagem arquetípica como representada por Frieda Harris no Tarot de Thoth idealizado por Aleister Crowley.

Tomando por base a máxima hermética de que “Assim como é acima, é abaixo”, o macrocosmo reproduzindo o que há no microcosmo e vice e versa, podemos inferir que o Equilíbrio consiste numa correspondência entre as esferas superiores e inferiores, entre o material e o sutil, entre o real e o psíquico, sugerindo um alinhamento do que há em maior escala com aquilo que exista numa escala menor.

Aqui vemos em ação os princípios da correspondência e da ressonância, o que acontece fora do indivíduo reproduzindo o que já acontece dentro dele.

Nem sempre nós temos a percepção correta do nosso momento de vida e das nossas próprias evoluções diante da vida, mas a atração é uma lei universal e mesmo que para alguém essa correspondência seja inconsciente, essa força existe e atrairá as experiências externas que colocarão à prova aquela realidade imanente que acontece dentro, forçando a pessoa a se dar conta desse alinhamento e assim entrar em equilíbrio com o que é realmente seu.

Em termos jurídicos, o conceito de Justiça significa “dar a cada um o que é seu”. É para isso que buscamos a justiça na resolução de conflitos, para que o juiz, símbolo social da justiça, possa decidir sobre as razões apresentadas e defina o que é de cada parte por direito.

Mas não podemos esquecer que a Justiça é um ideal humano, restrito a uma compreensão da vida e das relações entre as pessoas que foi possível ser desenvolvida até aquele momento histórico.

Por exemplo, já houve um tempo em que alguém que devia dinheiro a outrem era levado como escravo para servir seu credor até o pagamento completo da sua dívida. Ou ainda dar o filho como escravo para saldar o débito do pai. Hoje essa situação não é mais possível, pela elaboração histórica dos direitos das pessoas já concluímos que a escravidão fere os princípios humanitários e que nenhuma pena pode passar da pessoa do infrator.

Pelos séculos vemos um movimento constante em busca do ideal de justiça, que de tempos e tempos vai se transformando para alcançar uma melhor compreensão dos direitos e das necessidades humanas. Mas por mais contemporâneo que seja o ideal de justiça estabelecido, ainda haverá as limitações determinadas pela evolução cultural daquele grupo de pessoas.

Por isso Crowley atribui a este arcano o nome “Ajustamento”. Não há justiça verdadeira enquanto não houver um completo desenvolvimento do potencial humano em suas relações. Então, enquanto grupo, vamos continuamente ajustando nossa percepção de justiça àquilo que nos é possível cumprir e realizar.

E essa é a metáfora proposta pelo arcano, que nós estamos em constante desenvolvimento e seguimos em busca da realidade externa que faça justiça ao que existe internamente em nós.

E a relação proposta em termos psicanalíticos é com o tema da autorregulação psíquica que está em andamento o tempo todo em nós, as forças internas que compõem a nossa personalidade e que estão em contínuos ajustes pelos mecanismos de compensação de energia e complementação dos opostos na busca pela completa integração do SELF.

Jung sustentava que a psique humana, formada por diversos sub-aspectos conscientes e inconsciente, busca a todo o tempo promover o encontro do consciente com o inconsciente a fim de que o indivíduo possa reconhecer quem ele é e entre em sintonia com o seu propósito de vida, fazendo voluntariamente os ajustes que forem necessários para essa coerência acontecer.

Mas o que acontece de fato na nossa vida é que somos guiados ainda na infância pelas expectativas dos nossos pais, dos grupos aos quais pertencemos, ou ainda aqueles grupos aos quais buscamos nos ajustar, e aí esse encontro entre consciente e inconsciente fica prejudicado.

É quando o sistema da autorregulação entra em ação e começa a promover o nosso envolvimento com situações externas que vão espelhar aquilo que está acontecendo do lado de dentro: frustração de termos falhado, medo de exposição, angústia por não podermos ser quem somos, insatisfação com as conquistas que se mostram insuficientes, são pequenos exemplos de como podemos nos sentir em alguns eventos da vida que, no fundo, querem refletir o que estamos vivenciando do lado de dentro.

E nesse sistema de correspondências entre o interno e o externo vai ficando possível perceber, por meio da emoção humana recorrente nesses eventos, que cenário interno é esse do qual temos que nos conscientizar. A emoção presente nos eventos repetidos pode nos dar uma pista do que está acontecendo, tal como a tonalidade afetiva que indica a formação de um Complexo e que na abordagem Junguiana promoverá a atração de um determinado número de eventos que se relacionem com aquele tema.

Quanto maior a força de um complexo, mais eventos daquela tonalidade ele atrairá pois é nesse jogo de correspondências e repetições que conseguimos vencer a resistência da consciência rumo à verdade de cada um.

Outra percepção que pode ocorrer neste processo é a de que, mesmo experimentando uma realidade externa agradável e satisfatória no “senso comum”, como por exemplo quando a pessoa é produtiva, tem uma família, tem suas propriedades e sucesso financeiro, ainda assim ela não se sente contemplada com o que conquistou e mesmo vivenciando as alegrias desse suposto sucesso ela passa pelos eventos como se estivesse anestesiada e sem poder desfrutar de tudo aquilo. Isso pode acontecer porque no íntimo a pessoa reconhece a incoerência entre o externo e o interno, mesmo sendo agradável aquele cenário externo não reflete o que ela deseja honestamente e a incongruência pode gerar sentimentos de inadequação e profunda insatisfação.

Adquirir essa consciência a respeito da correspondência entre os eventos externos e os cenários emocionais internos pode elevar a experiência para um outro nível, representando uma ruptura com o padrão atual e "empurrando" o indivíduo para uma realidade totalmente nova, mas que ele já está pronto para acompanhar. Essa é a evolução esperada para quem passa pelo processo do Ajustamento.

Quando esta carta aparece numa leitura terapêutica, muito provavelmente estamos nos dando conta de qual é o tema afetivo que aparece naqueles eventos que nos marcaram, principalmente quando percebemos que se tratam de repetições. Queremos tanto nos conscientizar desse cenário interno que vamos atraindo situações externas reiteradas vezes até que resta claro que tema é esse que precisamos enfrentar. A partir daí, o caminho terapêutico pode adquirir mais clareza e direção.

Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise