quinta-feira, 22 de junho de 2017

Invernidades

Eu gosto muito de observar a vida partindo do conceito hermético que diz que “o que está dentro é o mesmo que está fora”. Essa forma de entender a vida para mim é muito rica e me permite fazer algumas associações que me ajudam a passar por certos períodos mais desafiadores. Como numa grande espiral, posso seguir em qualquer direção dela que sempre estarei andando pra frente, seja indo para dentro, seja indo para fora.

Deu pra perceber que eu adoro metáforas, né?

Gosto mesmo, as metáforas me ajudam a viver com mais poesia e trazem uma inteligência visual que dá muito sentido e beleza para aquilo que a vida me propõe.

É nesse sentido que quero fazer essa reflexão de hoje, dividir com vocês algo venho vivenciando há algum tempo e que está se concluindo agora no Inverno, a estação da compreensão das coisas.

Em janeiro deste ano eu encerrei conscientemente uma etapa da minha vida profissional, foram muitos anos trabalhando na advocacia e que definiam meu comportamento, meu jeito de falar e até minhas roupas e sapatos: “Olá, eu sou fulana, advogada.”

Mas há alguns anos atrás os desejos começaram a mudar de direção, me dei conta que os assuntos que realmente me interessavam me colocavam numa busca por outra forma de viver e de me relacionar com as pessoas, me levavam a questionar minhas práticas de trabalho diárias e a quem meu trabalho beneficiava. A direção na espiral tinha mudado e eu passei a olhar pra dentro.

E foi então que aquela fonte de materialização começou a secar e esse ciclo se encerrou, e eu me deparei com a possibilidade de levar uma vida mais coerente com o que eu acredito e com outras habilidades que, na minha opinião, ajudam mais efetivamente a construir um mundo melhor para todos, incluindo eu mesma.

Mesmo assim, a sensação que veio foi o medo. Medo do novo, medo de não dar conta, medo de ter feito a opção errada. E agora?

E aí chegam as metáforas da vida: eu prendi a mão na porta e quebrei o dedo. O dedo do meio, aquele que na quiromancia é o dedo do trabalho, de Saturno – o ceifador do tempo, aquele que impõe limites e não te pergunta se está doendo, apenas te faz acordar com os pés no chão para lidar com a sua realidade sem ilusões. Era isso.

O dedo foi esmagado, os ossos e os ligamentos esmigalhados. Que dor!

Segundo o médico, era uma lesão que não se recomporia mais. Senti o dedo sendo esmagado continuamente por vários dias, uma memória do trauma, segundo ele. Precisei me adaptar e fazer as coisas do dia a dia de outro jeito, ajustar o jeito de escrever, de digitar meus textos, de dirigir o carro, de cozinhar e até o jeito de fazer um carinho nos filhos eu tive que mudar.

Olha o novo aí!

Em tudo que eu fazia com a mão direita precisava colocar toda minha atenção para não sofrer novos impactos e não piorar a dor. Com esse exercício constante de atenção fui percebendo como eu fazia as coisas do dia a dia antes, sempre sem tempo pra nada, sempre na “correria” de trabalho-casa-filhos-marido. Tudo que eu fazia era como dava, tinha que dar conta de tantas atividades que não podia ficar pensando muito nem falando muito com ninguém, muito menos prestando atenção no que outro dizia. Afinal, ouvir o outro significava menos tempo para cumprir aquela maratona. Ouvir o outro era muita perda de tempo...

Mas lá estava eu, sem nada pra fazer e com a mão imobilizada. Tive que reaprender a dividir o tempo na minha cabeça e criar uma nova organização pessoal, dar um novo ritmo para as coisas.

E foi assim que durante o outono fui vendo algumas situações e pessoas se afastando de mim, eu não tinha mais como agir para segurá-las com a minha “mão quebrada” e não tinha mais aquela autonomia nem a energia para acompanhá-las. Alguns trabalhos eu simplesmente não tinha mais como fazer. A minha opção naquele momento era apenas observar. Eu estava aprendendo a contemplar.

E essa contemplação alcançou a mim mesma também, passei a notar mais os meus comportamentos e a minha maneira de falar e percebi como eu deixava de me posicionar por não ter uma fala coerente com quem eu era. Minha fala era a da “fulana, advogada”, sempre preocupada em agradar e unir pólos como fazem os advogados

Me dei conta de quantas vezes eu fiquei dourando pílula quando queria mesmo era "mandar às favas", de ocasiões em que eu precisei defender meu território e deixei de fazer para não ser "desagradável" com o outro, o quanto eu queria ter dito NÃO em certas situações e não disse para manter aquela coerência com a figura da advogada, toda certinha e educada. Quantas vezes deixei de estar do meu próprio lado...

Eu queria muito mandar essa personagem de advogada embora da minha vida!

E então nesse período eu recebi um telefonema me pedindo para ir fazer uma entrevista como advogada para preencher uma vaga de trabalho. Precisava do dinheiro, decidi ir.

A mão estava melhorando mas a unha do dedo quebrado estava horrível, tinha caído e a nova estava toda torta. E para ir nesse compromisso não tive dúvida: colei a unha antiga sobre a nova e passei um esmalte, ficou joia! E lá fui eu pra entrevista toda montada de advogada de novo, pensando comigo: tudo certo.

Mas não era mais eu ali, aquela era uma pele que não servia mais. Me senti colada a uma aparência que não era mais minha enquanto tentava me ver ali num lugar onde eu não cabia mais. Era muito desconfortável, os pés no salto alto fizeram meus joelhos doerem por semanas. 

Colando lembra apegando né? Pois é, apego. Colar a unha velha foi a metáfora perfeita.

Decidi que não iria dar continuidade naqueles processos de recolocação profissional, e por "coincidência" não me responderam até hoje sobre o resultado dessa seleção, nem das outras que eu já tinha participado antes.

E aí que a vida veio com seus saberes e mistérios, só depois da minha decisão e quando o caminho já estava definido. Nas semanas que se seguiram aconteceram coisas realmente incríveis que me fizeram perceber o quanto eu já tinha caminhado em outras direções e não fazia sentido tentar voltar pra trás naquela velha estrada.

Primeiro, fiz um trabalho de identificar os padrões familiares que me conduziram aos caminhos percorridos e, em contraponto, reconhecer e assumir os meus próprios padrões com a percepção de vida que tenho hoje, transformando e reprogramando esses caminhos internamente numa vivência xamânica muito bonita chamada Roda da Transformação. Foi muito especial sair dessa vivência sabendo que hoje eu tenho recursos internos já desenvolvidos que me permitem lidar com o medo do novo, que o novo pode ser bom e que eu posso confiar em mim mesma pra dar conta desse novo que virá.


E alguns dias depois dessa vivência, fui liberada para começar a fazer o estágio em psicanálise, comecei a atender meus primeiros 3 pacientes sob supervisão até eu terminar o curso.

Isso me encheu de confiança!

Ser liberada para começar a atender significa que consigo dar conta dos meus próprios conteúdos e que posso sim ajudar outras pessoas a partir do meu olhar e da minha experiência de vida que já foi analisada. É uma confirmação de que tenho capacidade e de que já trilhei uma parte considerável desse novo caminho, que posso seguir em frente por aí.

Ao lado disso tudo começaram a chegar mais pessoas para as terapias que eu já desenvolvo (astrologia, tarot terapêutico e florais), todas indicadas por quem já foi atendido por mim e todas mulheres na fase de maternidade - justamente o perfil que eu mais gosto de trabalhar. Certamente meu trabalho impactou essas pessoas de forma positiva a ponto delas me recomendarem a outras, uma confirmação linda de que ser autêntica e fazer o que eu realmente gosto é um "novo" bom pra além de mim.

Tudo isso me reafirmou que posso produzir materialmente de outra forma agora e que o resultado do meu trabalho vai se manifestar por esse outro caminho também, mesmo que ainda seja curto e meio torto mas, assim como aquela unha nova, uma hora vai se alinhar e ficar bom de novo.

Entendi as confirmações e chegando no inverno, essa estação onde a gente se recolhe por conta do frio e passa a economizar energia se movendo menos e observando mais, estou concluindo esse aprendizado que veio com os ventos. Foi com dor e está acontecendo bem devagar, mas essa poética da vida está me ensinando no tempo que eu dou conta. 

A unha nova agora já cresceu, mas o dedo ainda está sensível e não consigo fazer as mesmas coisas que eu fazia antes com a mão direita. Alguns movimentos eu tive que adaptar para seguir usando a mão, da mesma forma como a vida me propôs toda essa adaptação para eu seguir em frente.

Não tenho mais tocado piano, mas ainda posso tocar violão.

E todo esse processo virou uma canção nova, no tempo do elemento ar.

Espero que gostem!