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sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Arquétipos vivos na Bolívia

Os arquétipos são vivos.

Temos acompanhado o que vem se passando na Bolívia e existem pontualmente dois arquétipos muito fortes se manifestando por lá.

O primeiro é o arquétipo de Lilith, que foi manifestado na agressão desferida à prefeita de Vinto - que foi sequestrada, agredida durante 4 horas, teve seu cabelo cortado e pintado de vermelho e tudo foi transmitido ao vivo pelas redes sociais.

O mito de Lilith representa uma predisposição a punir a mulher que ousa sair do seu lugar de submissão, como Patrícia Arce fez ao ocupar hoje uma posição de exercício do poder como prefeita. Lilith tem longos cabelos vermelhos e Patrícia foi punida com a perda dos cabelos e marcada por essa mesma cor. Patrícia foi acusada de suscitar o ódio com sua atuação em prol da igualdade social, como Lilith foi punida por exigir igualdade à condição feminina.


verbenna yin


E olhem que coincidência, nesse dia a Lua estava conjunta a Lilith. No horário dos vídeos que transmitiram a agressão (18h) Urano estava na linha do ascendente. 

E outro arquétipo que está vivo nos Altiplanos é Prometeu, o titã que amava a humanidade e ousou roubar o fogo dos deuses para dá-lo aos homens. O fogo é esse elemento que representa o desejo, a força que nos movimenta a realizar nossos sonhos. Com o fogo nos aquecemos, transformamos materiais, forjamos armas e iluminamos a noite, de fato e simbolicamente. Prometeu deu aos homens condições de acreditarem serem melhores.

Mas Prometeu foi punido por Zeus, a autoridade divina. Foi exilado, preso a uma rocha e condenado a ter o fígado eternamente devorado por uma águia.

Assim como no mito, a autoridade do presidente foi destituída não pelo rito democrático mas por uma autoridade maior que é a voz de deus. Por isso a imagem da Bíblia esteve associada à tomada do palácio presidencial, notem que nesta foto e em tantas outras a Bíblia usada tem na sua capa essa referência a autoridade divina bem clara.

verbenna yin


Jung diz que os arquétipos são "sistemas vivos de reação e prontidão que, por via invisível e, por isso, mais eficiente ainda, determinam a vida individual."

Quando a gente se pergunta como certas coisas ainda acontecem em 2019, lembrem-se dessa força viva que são o arquétipos e que são capazes de trazer à tona de forma tão irracional nossos aspectos escondidos e ainda não assimilados. É nosso dever pensar, falar a respeito, debater ideias sobre estes acontecimentos porque é essa elaboração que será capaz de superar preconceitos e retrocessos coletivos. Quando a gente conscientiza esses aspectos arquetípicos, saímos do domínio do irracional e a própria matriz do inconsciente coletivo se reorganiza.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O Mundo

verbenna yinE chegamos finalmente à ultima carta da sequência dos arcanos maiores do Tarot com o arcano do Mundo, também denominado de “O Universo”.

Neste arcano encontramos uma figura humana constituída por duas mentes, uma feminina e outra masculina, com um único corpo. O lado masculino à direita segura um bastão no alto, o lado feminino à esquerda segura um bastão e aponta para baixo.

Circunda essa figura uma imensa serpente que está engolindo seu próprio rabo, criando um limite diante dos objetos que estão na área externa e que se relacionam aos quatro elementos alquímicos: terra, água, fogo e ar.

A figura metade homem e metade mulher se relaciona claramente com a ideia do andrógino primordial e a Sizígia, referências propostas por Jung para compreender a reconciliação entre os opostos Anima e Animus na psique humana.

Anima é Animus são contrapartes da estrutura sexual predominante, sendo a Anima feminina e o Animus masculino. Uma pessoa do gênero feminino, uma mulher, tem em si uma contraparte masculina – o Animus, e da mesma forma, uma pessoa do gênero masculino tem si a contraparte feminina – a Anima.

Uma mulher não possui a Anima como contraparte pois ela mesma é a manifestação da natureza em sua forma e potência femininas, portanto, a mulher é inteiramente uma Anima. E da mesma forma ocorre com o homem, ambos são uma manifestação direcionada da natureza em si mesmos, mas possuem o potencial da parte contrária correspondente ao gênero oposto.

Para Jung, existe uma busca humana essencial por encontrar o aspecto da contraparte psíquica que inicialmente se estabelece no mundo externo, ou seja, nas outras pessoas. Nessa fase inicial, a identificação dos atributos acontece por meio de projeções e identificamos, ainda que inconscientemente, as características da nossa contraparte no ser amado.

É por essa contraparte que reconhecemos no outro que nos apaixonamos, e a um primeiro momento julgamos que esses aspectos dos outros nos faltem e na união com eles nos completamos.

Jung propõe que na verdade esses aspectos projetados são essencialmente nossos e por meio dos relacionamentos vamos amadurecendo essa percepção e reconhecimento sobre nós mesmos, até um momento do desenvolvimento psíquico em que podemos ver com clareza tais aspectos em nossa própria psique, num processo que chamou de sizígia – o casamento dos princípios masculino e feminino numa mesma estrutura psíquica.

Jung acreditava que: “É a alteridade psíquica que possibilita verdadeiramente a consciência. A identidade não possibilita a consciência. Somente a separação, o desligamento e o confronto doloroso através da oposição, pode gerar consciência e conhecimento.”

Nessa fase, o indivíduo não tem mais necessidade de projetar aspectos ocultos ou recalcados em outras pessoas, pois agora já se reconhece completamente em todos os seus aspectos. Assim, não há mais ilusões com o que se enxerga ou espera do outro, as relações tendem a ser mais livres e o medo da perda não mais se justifica pois aquilo que admiro no outro, também tenho.

Esse processo de reconciliação dos opostos é essencial para a dinâmica do homem transformado, onde a psique encontrou sua autorregulação através dos processos conscientes (metanoia) e inconscientes (enantiodromia). Neste modelo, a autorregulação é um processo que segue as leis universais e conduz naturalmente o indivíduo ao encontro consigo mesmo.

Na sua obra “O Eu e o Inconsciente”, Jung afirma que:

“Na medida do alcance de nossa experiência atual, podemos dizer que os processos inconscientes se acham numa relação compensatória em relação à consciência. Uso de propósito a expressão 'compensatória' e não a palavra 'oposta', porque consciente e inconsciente não se acham necessariamente em oposição, mas se complementam mutuamente, para formar uma totalidade: o si-mesmo (Selbst).”

Na representação deste arcano está presente o Uróboro, a serpente que engole a própria cauda e que simboliza o eterno movimento do Universo e a forma circular como uma unidade em si mesma, sem princípio nem fim. Ao circundar a figura hermafrodita, sugere que a dinâmica psíquica de compensação e complementação dos opostos é o caminho para se chegar na unidade primordial do SELF, enquanto centro da psique integral.

Para o homem transformado, o Ego consciente foi integrado ao SELF e agora opera no sentido de promover as ações no mundo externo coerentes verdadeiramente ao ser interno. Nesta fase, o Ego não tem mais necessidade de validações, reconhecimentos ou pertencimentos externos pois os objetos conquistados e os resultados das ações não mais confirmam o Ego. Ao ser integrado, o Ego se fortalece. Aqui o Ego está estruturado e pode ser um intermediador eficiente entre mundo interno e externo, com fidelidade completa ao SELF.

Ao escrever sobre “A Psicologia da Transferência”, Jung menciona o casamento entre Anima e Animus numa bela metáfora que envolve a unificação dos opostos masculino e feminino para fazer surgir uma nova criatura, completa, alinhada ao chamado do ser interno agora iluminado pela consciência:

"O negrume, ou seja, o estado inconsciente que foi resultado da união dos opostos, alcança um ponto de máxima profundidade que é ao mesmo tempo um ponto de reversão. O orvalho que cai anuncia a ressurreição e o surgimento de uma nova luz. A imersão em um inconsciente cada vez mais profundo é seguida por uma iluminação que vem de cima."

Simbolicamente, a iluminação é o processo de trazer um conteúdo oculto à luz consciência, para que possa ser incorporado no sistema mental do indivíduo e possa se manifestar no mundo físico. A sizígia é uma etapa primordial para fazer surgir o fio de luz condutor para que tudo que foi acessado no inconsciente encontre seu caminho até a consciência e possa ser finalmente incorporado à noção identitária e constituinte do ser. Quem fará essa incorporação é o Ego, enquanto centro ordenador da consciência e responsável pela interação com o mundo externo.

Assim, um Ego alinhado com o SELF é um poderoso instrumento de transformação do mundo externo, pois nesta fase se conhece a potência e a capacidade para agir, se possui a espontaneidade e leveza para fluir apesar das impossibilidades e das frustrações, e ainda existe conexão consciente com os desejos íntimos para realização das aspirações e propósitos de vida.

Essa noção é reforçada na representação arquetípica proposta pelo Tarot de Thoth de Aleister Crowley, na ilustração singular feita por Frieda Harris. Nesta carta a figura central é uma mulher, numa apologia ao trabalho da Anima como principal conexão entre o inconsciente individual e o inconsciente coletivo.

Emma Jung, esposa de Jung, escreveu notavelmente sobre essa característica da contraparte no gênero masculino. Para ela a Anima tem o potencial transformador mais poderoso pois pode suscitar modificações estruturais na personalidade:

“O papel de transmitir conteúdos inconscientes, no sentido de torná-Ios visíveis, recai acima de tudo sobre a anima. Ela ajuda na percepção de coisas que de outra maneira permanecem no escuro.”

Da mesma forma, Nise da Silveira ressalta o aspecto feminino como preponderante na capacidade humana de estabelecer vínculos saudáveis:

“Se o principio feminino no homem (anima) for atentamente tomado em consideração e confrontado pelo ego, os fenômenos decorrentes de seus movimentos autônomos dissolvem-se, suas personificações desfazem-se. A anima torna-se uma função psicológica da mais alta importância. Função de relacionamento com o mundo interior, na qualidade de intermediária entre consciente e in-consciente, função de relacionamento com o mundo exterior na qualidade de sentimento conscientemente aceito.”

verbenna yin
Na ilustração de Frieda Harris a mulher está nua, dançando, com um pé apoiado na cabeça de uma enorme serpente surgida de uma abertura semelhante a um olho cósmico, indicando o fluxo que vendo do grande mistério do inconsciente coletivo que é conduzido pelos desejos do inconsciente individual e terminam por se manifestar na consciência individual.

A figura está cercada por uma estrutura circular e ao fundo vemos a Banda de Moebius, que em Lacan encontra representatividade como forma indicativa da singularidade numa metáfora à forma circular (unidade) transformada pelas dobras onde não há mais mundo interno e externo, tudo é uma coisa só.

Quando a carta do Mundo aparece numa leitura terapêutica pode indicar um momento de profunda transformação pessoal, onde o indivíduo passou pelas etapas do caminho de individuação e compreendeu cada momento como significador e constituinte da sua personalidade.

Isso pode promover uma noção de sentido de vida e coerência, permitindo que a pessoa vivencie relacionamentos com mais leveza e liberdade bem como participe colaborativamente dos grupos a que pertença como forma de aprimoramento de si mesma e do mundo à sua volta.

Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise

sexta-feira, 22 de junho de 2018

O Julgamento

verbenna yin
Rider-Waite Tarot
Seguramente o arcano que recebe mais interpretações inadequadas é este, o Julgamento, pois com essa nomeação remete nossa percepção ao ambiente bíblico apocalíptico que pressupõe um “fim do mundo” e um “juízo final" que dão um tom negativo à ideia original do arquétipo.

A carta do julgamento geralmente vem ilustrada com essa imagem de pessoas ressurgindo, saindo de suas tumbas em resposta ao toque das trombetas que marcam o início de um novo tempo. Aqui na ilustração tradicional do Tarot Rider-Waite vemos em primeiro plano um homem, uma mulher e uma criança despertando da morte ao som da trombeta celeste e recebendo de braços abertos uma figura angélica que usa um estandarte com forma de cruz na cor vermelha.

Na abordagem Junguiana para o desenvolvimento psicológico humano, todo o funcionamento da psique é estruturado em aspectos distintos que funcionam como polos (princípio da polaridade) e que se compensam mutuamente num sistema de autorregulação. Quando se investe mais energia num determinado aspecto intrapsíquico, indiretamente também se desenvolve o respectivo aspecto oposto, pois a polaridade atua de forma compensatória na direção da manutenção do equilíbrio de forças. É assim o balanço energético entre consciente e inconsciente, persona e sombra, animus e anima, as partes que compõem a psique na estrutura idealizada por C. J. Jung na psicologia analítica.

Nesta sugestão de imagem acontece o mesmo, o homem num polo e a mulher no outro, ambos despertos e receptivos, indica que esta carta fala de um tempo psicológico onde o indivíduo já realizou essas compensações psíquicas e hoje encontra-se em equilíbrio e devidamente estruturado.

A criança no centro se relaciona à figura do SELF, a essência mais pura de cada indivíduo que é mantida escondida no inconsciente e que levamos toda uma vida para nos encontrarmos com ela. É o SELF que faz as reorientações íntimas e determina o momento das compensações de forças psíquicas pois é o centro regulador da psique inteira. Quando conseguimos entrar em contato com nossa essência mais profunda, estamos diante do nosso SELF: nosso Eu verdadeiro.

É como teria dito Jesus nos evangelhos: “é necessário nascer novamente para entrar no reino dos Céus”.

Ao escrever sobre os sonhos e as representações simbólicas do inconsciente, que refletem nossos estados psíquicos diante da existência, Jung afirma que a visão da criança indica que a pessoa está tomando contato com seus aspectos mais autênticos e espontâneos, que podem ter ficado inacessíveis durante tanto tempo que até  nos esquecemos - mas que durante o trabalho terapêutico de autoconhecimento é possível acessá-los novamente.

Para Jung, no inconsciente esse vislumbre da essência verdadeira geralmente ocorre com a visão de uma “criança divina”. A criança simboliza esse retorno ao primordial após ter sido realizada a grande jornada de complementação dos opostos no jogo de projeções da mente.

As projeções são imagens mentais que traduzem nossas questões mais íntimas e que ainda não temos condições de enxergar apropriadamente, seja porque tais conteúdos nos assustam, seja porque ainda não desenvolvemos a fortaleza necessária para lidar com esses temas. De toda forma, essas questões “aparecem” de forma distorcida quando nos relacionamos com as outras pessoas, pois projetamos nelas esses aspectos que são nossos mas ainda são inconscientes.

Nesse sentido, aquilo que enxergamos nos outros não passa de um filme projetado, de uma miragem, pois o que vemos nem sempre é o real daquela pessoa - mas com certeza é realmente nosso.

É preciso ultrapassar esse estágio de projeções para podermos nos enxergar honestamente e realizar o trabalho interno de integrar nossos aspectos conscientes e inconscientes, depois de trazermos nossos conteúdos sombrios à consciência e termos transformado essas memórias em algo construtivo para nós mesmos. Aí sim é possível retornar à verdadeira origem e recomeçar a trajetória de vida com a mesma confiança e inocência de uma criança.

verbenna tarot
Zen Tarot - Osho
Essa é a proposta do Tarot Zen inspirado nas lições do guru indiano Osho. Nesse tarot todas as cartas são apresentadas como posturas individuais perante a vida e ou retratos de momentos do nosso mundo interno.

Aqui a carta do Julgamento recebeu uma ilustração mais adequada ao seu simbolismo no nosso tempo, assim como um novo título: “Além da Ilusão”. Se trata da representação desse estado interno em que não temos mais ilusões a serem projetadas na realidade externa, estamos além dessa dinâmica e podemos ver com clareza os nossos aspectos internos sem nos assustarmos com eles nem negarmos sua existência ou culpar os outros por isso. 

A borboleta, símbolo da transformação, indica que já houve essa metamorfose do estado interno e a chama no terceiro olho sugere uma percepção mais refinada que consegue captar uma realidade mais sutil. Os olhos estão fechados pois tudo que vemos com nossos olhos comuns são reflexos nossos, então aqui eles não são mais necessários.

Ao nos aceitarmos completamente como somos e estarmos dispostos a lidar com a nossa real natureza, experimentamos uma espécie de novo nascimento pois temos agora uma segunda chance de realizar nosso propósito de vida da forma mais autêntica possível.

Esse renascimento simbólico significa o retorno às origens mais puras, onde todo o meu SER se manifesta de maneira harmônica, sem esforço, honesta e livremente expressando tudo aquilo que sou de verdade. Aqui o estado interno é de seguir o fluxo de eventos que vida propõe, sem amarras nem resistências, sem necessidade de realizar algo para ser beneficiado por seu resultado ou receber reconhecimento por ter feito bem. Renascidos, nos apresentamos à vida dispostos às experimentações que nos chegarem, mantendo uma atitude receptiva e vivificante.

Neste retorno às origens não é preciso mais usar máscaras (as "Personas" de Jung), não há necessidade de responder mais aos condicionamentos nem buscar a aprovação do outro para agirmos  como queremos ou nos prejudicar para conseguir atender algum desejo. Tudo já foi pacificado e nossa organização psíquica opera harmonicamente.

É essa harmonização interna que a bandeira da imagem inicial representa. Nos estudos das mandalas, Jung aponta que a forma de cruz nos desenhos simboliza a união dos opostos, indicando que a pessoa venceu os conteúdos internos que seriam projetados nos outros. Agora ela consegue lidar com os aspectos próprios e também com os dos outros sem se sentir ameaçada, sem precisar usar mecanismos de defesa nem se incomodar com o que vê refletido no outro.

Nossas imagens refletidas não nos ameaçam mais pois a atitude agora é a do observador que a tudo assiste e procura aprender, sem se envolver, além das ilusões e das projeções da mente.

verbena
Dark Tarot
Nesta outra imagem o conceito principal permanece mas é ilustrado de outra forma, indicando que a mulher e o homem respondem ao chamado da figura divina que possui uma aréola circular, correspondendo à ideia de que agora consciente e inconsciente agem em conjunto para atender o SELF simbolizado pelo círculo.

Na abordagem Junguiana o círculo é o símbolo maior do SELF, sendo as mandalas sua expressão mais profunda e completa. Na mandala encontramos a expressão não verbal dos conteúdos do SELF, que conseguem burlar o filtro da razão e escapar das censuras do consciente.

Quando a terapêutica envolve processos racionais de elaboração, como fala e escrita, nosso consciente pode impedir que certas memórias, afetos e emoções se expressem. Nesse caminho podem ainda haver julgamentos, críticas internalizadas, idealizações e comparações, e tudo isso junto atua como obstáculo para que o ser verdadeiro se mostre.

Já na mandala esses conteúdos encontram um outro caminho para se manifestar. Como a mandala é desenhada, esse conjunto organizado de formas e cores expressa o SELF sem passar pelas aprovações e seleções da mente consciente. Por isso a mandala é o retrato fiel do estado de ser de cada pessoa e tem tanta importância no processo terapêutico na abordagem Junguiana.

E isso é que o arcano do Julgamento tenta representar, esse momento em que houve uma pacificação das forças internas e externas pois nada mais pode atingir negativamente o indivíduo: as dores, as memórias, as projeções, as idealizações, a falta de confiança, tudo isso já passou.

Aqui o indivíduo morreu para essas coisas e agora está renascendo para um novo tempo em que irá atender plenamente o chamado do SELF para realizar aquilo que é seu propósito na existência. Sua vida agora tem sentido.

Quando estamos integrados ao nosso SELF conseguimos nos mover pela vida de forma mais fluida e seguimos pelo fluxo dos eventos sem inseguranças. Procuramos expressar com nossas atitudes quotidianas aquilo em que acreditamos, então passamos a fazer escolhas que nos contemplam melhor. Pode ser o tipo de alimentação, a forma de se vestir, o trabalho que realmente faça bem a si mesmo e ao outro, a atitude colaborativa, a receptividade com o outro, enfim, tudo que confirme externamente aquilo que já existe do lado de dentro.

Aqui a direção da energia é de dentro para fora, o ser manifesta com segurança no mundo externo aquilo que existe no seu interior - numa orientação contrária àquela que atende às necessidades do Ego, pois o Ego precisa do reconhecimento externo para confirmar o que acredita haver no interno. 

No fluxo do Ego as confirmações do reconhecimento externo são frágeis pois tudo que vem do externo é projetado, logo, não é real. Mas no fluxo do SELF a nossa expressão é verdadeiramente real pois manifesta externamente o que existe no mais íntimo e profundo da alma humana.

São tantas formas de manifestarmos no mundo nosso potencial, mas que agora acontecem sem necessidade de reconhecimentos externos nem na base da barganha, e cada uma de nossas pequenas ações serão agora resultados dessa orientação pelo SELF - que vai aos poucos se manifestando de dentro pra fora. Nossa essência finalmente emerge.

Ao nos entregarmos à orientação do SELF, passamos a viver com mais consciência, entendemos nosso propósito de vida e procuramos usar o nosso tempo de forma construtiva, ocupando positivamente nosso lugar e colaborando para criar no mundo externo a mesma realidade interna de paz e equilíbrio.

Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise

domingo, 9 de agosto de 2015

O Enforcado

Tarot de Marselha
Um homem preso pelo calcanhar esquerdo, pendurado de cabeça para baixo e com as mãos presas às costas. Limitado ainda pelo pouco espaço, aos lados há troncos de árvore podados e não se vê o chão, dando a ideia de que não há possibilidade de movimentos.

Tudo aqui denota que o homem está numa posição não natural.

Apesar disso, o homem tem uma expressão facial curiosamente serena, como se ele estivesse confortável nessa situação tão limitante.  

Situações de vida limitantes podem minar a expressão dos talentos e habilidades naturais de uma pessoa. Quando a vida impõe limites numa trajetória, acaba podando as oportunidades de nos desenvolvermos da melhor maneira. 

É o que acontece com uma criança que cresce numa família que não é capaz de reconhecer seus talentos inatos e desqualifica suas expressões e espontaneidade. Por exemplo, uma família onde os pais são "fieis cumpridores de regras" e o filho que chega tem tendências artísticas, talento para a dança e para fazer imitações. No contexto daquela família, pode não haver espaço para apoiar essa "bobagens de criança", o filho pode ser constantemente podado e levado a entender que suas manifestações artísticas atrapalham e não são bemvindas ali naquele grupo. 

E o que a criança faz para ser aceita e amada pelo seu grupo familiar?

Ela abre mão das suas expressões e aprende que a espontaneidade não cabe ali, que se ela quiser fazer parte daquele grupo tem que aceitar a poda. Tem que deixar de ser o que ela é e assumir uma postura antinatural e contrária à sua essência.

Eu uso a palavra "poda" de propósito. Já notaram os galhos podados ali na imagem do arcano?

Nossas possibilidades, capacidades inatas e potências naturais são constantemente podadas num mundo que aceita determinados estereótipos de imagem e comportamento, que tenham como finalidade apenas manter a produtividade das pessoas e o uso do tempo de vida de forma organizada para esse propósito. Tudo que foge desse padrão é minado sem dó nem piedade, aprendemos desde cedo que temos que nos adaptar às exigências sociais e já na infância vamos deixando partes de nós serem amputadas para podermos caber no modelo que garante para nós aceitação e sobrevivência.

A falta de oportunidades para desenvolvermos os talentos naturais impede a nossa melhor expressão e pode nos tornar seres passivos diante de nossa própria história, resultando em indivíduos que não tem a real noção das suas possibilidades diante da vida.


C. G. Jung, criador da psicologia analítica, estudou esse processo de formação psíquica e percebeu que a mente humana cria uma ferramenta própria para se adaptar melhor ao ambiente em que somos recebidos. Ele chamou de "Persona" essa área da mente consciente que escolhe quais características irá manifestar e aprimorar a fim de que o indivíduo possa ser reconhecido pelos outros e a partir disso possa interagir com mais chance de sucesso e garanta a melhor adaptação possível ao meio.

Para Jung, a Persona "surge por razões de adaptação ou de conveniência pessoal".

Num ambiente saudável onde haja aceitação e estímulo das capacidades inatas a Persona também se desenvolve, mas as escolhas conscientes são mais harmônicas e o indivíduo tem a chance de evoluir nos seus potenciais próprios, o que o leva a se sentir mais contemplado diante da vida.

Mas o que o arcano do Enforcado nos mostra é a situação contrária, onde o indivíduo foi tão podado das suas potencialidades inatas e precisou se adaptar de uma forma tão desconfortável que terminou por ficar de ponta cabeça, numa posição completamente contrária à sua verdadeira natureza.

Se a gente fizer uma retrospectiva da nossa história pessoal, vamos perceber esses momentos em que ainda na infância julgaram mal algo que gostávamos de fazer, fomos repreendidos e nos deixaram bem claro que não poderíamos repetir aquilo. Aquelas partes de nós eram inaceitáveis.

E aí que vamos crescendo e construindo nossa autoimagem sem essas partes de nós que não tiveram lugar, aos poucos vamos nos identificando com essa nova imagem que agrade os outros e com o tempo acreditamos que somos esse resultado e nos reconhecemos na nossa Persona.

O maior exemplo de Persona que temos na nossa vida social é a profissão que escolhemos. Quando nos apresentamos para alguém que não nos conhece ainda, dizemos: Sou fulano de tal, tenho tantos anos e SOU ALGO.


Essa qualificação que afirma que eu sou alguma coisa (médico, advogado, engenheiro, professor, etc.) cria em torno de nós expectativas para outras escolhas como desdobramentos daquela inicial, que vão desde a aparência física, as roupas que uso, o modo de falar que emprego, os locais que eu frequento, as pessoas com quem me relaciono, e até mesmo os planos futuros são construídos na dependência dessa qualificação.

Tudo tem que ser condizente e coerente a essa Persona, a Persona acaba dominando todas as escolhas possíveis e não sou mais livre para escolher o que no fundo desejo.


Tarot Gringonneur
E assim passamos a vida fazendo escolhas que nos mantém naquela mesma postura antinatural em que fomos colocados lá na infância. 


Mas apesar da impossibilidade ser evidente, a pessoa não se dá conta disso. Seu rosto mostra quase um sorriso, e de fato se invertermos a posição da carta pode parecer que ela está se divertindo, pulando num pé só, talvez até dançando!

Esse é o efeito da inconsciência. Quando não temos noção do nosso real potencial na vida não vemos as limitações como impedimentos ao nosso melhor, aprendemos a conviver com essas restrições e nos confortamos dizendo que “a vida é assim mesmo”. Essa atitude de resignação pode significar uma incapacidade de lidar com a culpa de não assumir a autorresponsabilidade pelo que vivemos, ou até mesmo uma falsa valorização interna a partir dos sacrifícios que são necessários para manter aquela situação.

Ficamos presos num ideário próprio limitante, e o pior, acreditando que estamos bem assim pois ganhamos algo dessa forma. 

Vejam que interessante a imagem do Tarot Gringonneur onde o homem está segurando duas bolsas cheias de moedas, indicando que ficar na posição antinatural pode até ser bem recompensada.

Mas a que preço?


Citando Jung novamente, para ele "podemos dizer, sem exagero, que a Persona é aquilo que não é verdadeiramente, mas o que nós mesmos e os outros pensam que somos".

O grande desafio aqui é perceber que mesmo bem adaptados e quicá recompensados socialmente, nossa postura adquirida, na realidade, é antinatural e nos prejudica. Por mais que nas ilustrações do Enforcado a pessoa esteja sorrindo, essa sensação de felicidade não é real: o desconforto de estar amarrados é o real. 


Tarot Rider-Waite
Podemos preferir acreditar num pseudo conforto pois essa ideia nos anestesia para não encararmos a dureza de vivermos uma vida parada, monótona, sem possibilidade de crescimento e que no fundo estamos desperdiçando nosso tempo de existência fazendo e construindo coisas que não nos contemplam.

É aqui que faz toda a diferença a imagem ilustrada pela genial Pamela C. Smith no Tarot Rider-Waite: a luz sobre a cabeça parece indicar que é somente nessa condição extrema que pode haver lugar para uma iluminação pessoal.


Somente quando nos permitirmos sentir o real incômodo de permanecer amarrados à postura antinatural da condição limitante é que há oportunidade de um crescimento verdadeiro. E digo verdadeiro porque esse será um crescimento que passará pelo momento de reconhecimento da essência daquela pessoa, de quem ela É de verdade.

A forte identificação com a nossa Persona nos torna pessoas rígidas, inflexíveis, sem capacidade de movimentação perante as diversas possibilidades da vida.

As sucessivas amarras que vemos nas diversas representações deste arcano reforçam, simbolicamente, a “impossibilidade de ser” do indivíduo ali representado, indicando que naquela condição é impossível qualquer progresso verdadeiro no sentido de desenvolvimento humano. 

Amarrados e inflexibilizados, é inútil desejar algo e ir em busca dessa satisfação. E sem o desejo, não somos pois o que movimenta nossa psique em busca do desenvolvimento pessoal é justamente o desejo. Ao final, o desejo é a busca por nós mesmos, a busca por essa essência que ainda não teve chance de ser reconhecida.

J. Lacan afirma que "se existe um objeto do teu desejo, ele não é outro senão tu mesmo", indicando que tudo que nos mobiliza perante a vida, no fundo serve para promover este encontro profundo entre nossa consciência e esse ser interno que sempre esteve lá, imanente, esperando para ser encontrado e finalmente poder ser expressar com liberdade.

Algo intrigante neste arcano é o título “Enforcado”, que a um primeiro momento parece não ser apropriado à imagem do homem pendurado pelo pé. E se consideramos que o enforcamento é uma penalidade a alguém que foi condenado, fica mais clara essa relação com a impossibilidade de movimento. Num enforcamento real a pessoa se debate com movimentos corporais involuntários, porém todos esses movimentos somente aceleram o processo de interrupção da oxigenação do corpo que a levará à morte.

Tal como no enforcamento, a situação representada neste arcano nos mostra que todos os movimentos da pessoa estão condenados, a morte é certa. E de fato, a Morte é o arcano que se segue ao Enforcado.

Este não é um arcano muito simples e sua representação não é óbvia, mas a mensagem central desta simbologia é: não há vida sem movimento.

Em algum momento da trajetória do indivíduo esse SER interno, essa luz própria na cabeça do arcano e que está apenas esperando para se manifestar neste mundo material, vai começar a dar sinais de sua existência - para ser então reconhecido pela consciência e restabelecer a possibilidade de movimento perante a vida.

Abrir espaços para iniciar essa busca por si mesmo é o primeiro passo para sair da inflexibilidade. Admitir que não somos a nossa Persona é uma grande desafio, mas é o passo inicial para começarmos essa caminhada em busca das partes de nós que ainda não tiveram chance de se manifestar, mas que ainda estão lá esperando para serem resgatadas e trazidas à luz da nossa consciência.

Quando o Enforcado salta numa leitura, é o momento de se reavaliar honestamente para perceber que nossa vida atual não nos contempla e que de fato estamos aprisionados a uma idealização de nós mesmos que não é capaz de crescer e prosperar. 

Talvez seja o momento de encarar de frente uma relação aprisionante, uma dependência emocional, ou mesmo uma trajetória inteira que não condiz com nossos verdadeiros potenciais e pode nos deixar profundamente frustrados. 

Percebendo que traços são esses que não desenvolvemos de forma consciente, podemos ir mais fundo na busca por nós mesmos e ir, pouco a pouco, dando lugar para as partes de nós que nos contemplam e realmente nos vivificam.

Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise