segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Como você toma seu café?

Durante muito tempo eu tomei café com leite e bastante açúcar. Eu demorei muito tempo para perceber o real sabor do café, sempre misturava coisas nele para diminuir a sensação de café amargo.

Até um dia em que ouvi de uma pessoa muito sábia que “o amargo é um sabor necessário”.

Nunca tinha pensado nisso, sempre que me deparava com algum sabor amargo eu “disfarçava” esse sabor acrescentando coisas que modificassem o resultado final ao paladar. Não é assim que fazemos com as saladas de folhas amargas, com o chás, os remédios para crianças e até com o nosso café das manhãs?

Naquela frase sobre o café havia todo um aprendizado que foi acontecendo a partir do paladar e se estendeu para outras áreas da minha vida.

Eu vivia uma vida muito amarga, mas eu não percebia isso. Trabalhava tempo demais e me sentia refém daquele emprego, tinha muita raiva das impossibilidades dessa situação e o excesso de preocupação com o futuro me colocava na defensiva em relação às novidades e surpresas da vida. Também comia muito doce nessa época, descia do escritório para a loja de doces todas as tardes e à noite ainda me dava um chocolatinho de presente, e claro sempre usava muito açúcar em todas as bebidas.

Me dei conta do quanto eu disfarçava minha própria insatisfação com aquela vida amarga trazendo o doce para a boca.

Aprendi que o açúcar anestesia as papilas gustativas e que quanto mais açúcar consumimos, menos percebemos o doce natural dos alimentos. É por isso que nas cafeterias se oferece um copinho de água com gás junto com os cafés, tomando a água antes o gás ajuda a limpar as papilas e ativá-las para que se possa perceber todas as notas do café em seguida.

O efeito do açúcar nas papilas é acumulativo então a tendência é cada vez usarmos mais açúcar para chegar no mesmo nível de doçura inicial. Uma droga.

Mas a atitude de adoçar o sabor a amargo do café era uma imagem nítida do quanto eu me negava a admitir o sabor amargo daquela minha vida. Negando o amargo, ele deixava de existir né? Só na minha cabeça, só no meu cérebro o açúcar tinha esse efeito de aniquilar o amargo, na verdade o amargo estava ali o tempo todo. O que eu estava fazendo era enganar os sentidos para não percebê-lo.

E foi com essa observação que eu fui me permitindo sentir o amargo do café. Aos poucos fui tirando esse excesso de doce e de açúcares da alimentação, tirando os disfarces e olhando com honestidade os sabores que a minha vida tinha. Fui aprendendo a conviver com aquele amargo, aprendi a reconhecer esse sabor, a entendê-lo e finalmente a aceitá-lo.

O amargo fortalece o coração e nos prepara para apreciarmos melhor tempos de real doçura. A medicina chinesa incentiva o uso de alimentos com sabor amargo para tratar as doenças do coração e há estudos médicos que relacionam alimentos amargos a uma melhora no nível de contração do coração, contribuindo para um funcionamento saudável desse órgão.

Hoje consigo tomar meu café sem açúcar e estou aprendendo a perceber os aromas que compõem uma safra ou outra e as pequenas diferenciações de regiões e intensidades. Também estou conseguindo conviver melhor com as minhas imperfeições, com as limitações e impossibilidades da situação de vida que tenho hoje e com as coisas que não tenho poder para controlar.

Dizem que para apreciar um bom café precisamos adquirir um paladar adulto. Ainda não cheguei nesse ponto não, mas já consigo estabelecer uma relação de respeito com os sabores amargos. Na boca e na vida, porque minha Lua está em Touro. Mas isso já é assunto para outra conversa :-)

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