Durante muito tempo eu tomei café com leite e bastante açúcar.
Eu demorei muito tempo para
perceber o real sabor do café, sempre misturava coisas nele para diminuir a
sensação de café amargo.
Até um dia em que ouvi de uma pessoa muito sábia que “o
amargo é um sabor necessário”.
Nunca tinha pensado nisso, sempre que me deparava com algum
sabor amargo eu “disfarçava” esse sabor acrescentando coisas que modificassem o
resultado final ao paladar. Não é assim que fazemos com as saladas de folhas
amargas, com o chás, os remédios para crianças e até com o nosso café das manhãs?
Naquela frase sobre o café havia todo um aprendizado que foi
acontecendo a partir do paladar e se estendeu para outras áreas da minha vida.
Eu vivia uma vida muito amarga, mas eu não percebia isso.
Trabalhava tempo demais e me sentia refém daquele emprego, tinha muita raiva
das impossibilidades dessa situação e o excesso de preocupação com o futuro me
colocava na defensiva em relação às novidades e surpresas da vida. Também
comia muito doce nessa época, descia do escritório para a loja de doces todas
as tardes e à noite ainda me dava um chocolatinho de presente, e claro sempre usava
muito açúcar em todas as bebidas.
Me dei conta do quanto eu disfarçava minha própria insatisfação
com aquela vida amarga trazendo o doce para a boca.
Aprendi que o açúcar anestesia as papilas gustativas e que quanto
mais açúcar consumimos, menos percebemos o doce natural dos alimentos. É por
isso que nas cafeterias se oferece um copinho de água com gás junto com os
cafés, tomando a água antes o gás ajuda a limpar as papilas e ativá-las para que
se possa perceber todas as notas do café em seguida.
O efeito do açúcar nas papilas é acumulativo então a
tendência é cada vez usarmos mais açúcar para chegar no mesmo nível de doçura
inicial. Uma droga.
Mas a atitude de adoçar o sabor a amargo do café era uma imagem
nítida do quanto eu me negava a admitir o sabor amargo daquela minha vida.
Negando o amargo, ele deixava de existir né? Só na minha cabeça, só no meu
cérebro o açúcar tinha esse efeito de aniquilar o amargo, na verdade o amargo
estava ali o tempo todo. O que eu estava fazendo era enganar os sentidos para
não percebê-lo.
E foi com essa observação que eu fui me permitindo sentir o
amargo do café. Aos poucos fui tirando esse excesso de doce e de açúcares da
alimentação, tirando os disfarces e olhando com honestidade os sabores que a
minha vida tinha. Fui aprendendo a conviver com aquele amargo, aprendi a reconhecer
esse sabor, a entendê-lo e finalmente a aceitá-lo.
O amargo fortalece o coração e nos prepara para apreciarmos
melhor tempos de real doçura. A medicina chinesa incentiva o uso de alimentos com
sabor amargo para tratar as doenças do coração e há estudos médicos que
relacionam alimentos amargos a uma melhora no nível de contração do coração, contribuindo
para um funcionamento saudável desse órgão.
Hoje consigo tomar meu café sem açúcar e estou aprendendo a
perceber os aromas que compõem uma safra ou outra e as pequenas diferenciações
de regiões e intensidades. Também estou conseguindo conviver melhor com as minhas imperfeições, com as limitações e impossibilidades da situação de vida que tenho hoje e com as coisas que não tenho poder para controlar.
Dizem que para apreciar um bom café precisamos adquirir um
paladar adulto. Ainda não cheguei nesse ponto não, mas já consigo estabelecer
uma relação de respeito com os sabores amargos. Na boca e na vida, porque minha
Lua está em Touro. Mas isso já é assunto para outra conversa :-)
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