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sexta-feira, 13 de março de 2020

Curso TAROT E PSICANÁLISE



E teremos novamente este curso que une o Tarot e a Psicanálise, duas linguagens para decifrar os conteúdos do nosso inconsciente como forma de autoconhecimento e melhor esclarecimento das situações de vida.

A ideia deste curso é usar o tarot como ponto de partida para uma observação de si mesma. Fazer uma a interpretação dos símbolos universais das cartas de tarot associando esse conteúdo simbólico com as ideias e comportamentos mais próximos do nosso tempo, na visão da psicanálise, pra gente aprender a se reconhecer, perceber nossos padrões, repetições e irmos nos aprimorando. 

A visão da psicanálise traz muita assertividade para o momento de vida, faz a gente se situar, por isso é uma combinação muito legal com o tarot. 

Para o curso não precisa ter conhecimento prévio de tarot nem de psicanálise, a liguagem está super acessível e eu disponibilizo um material didático de suporte também. Todo mundo pode fazer! 

Para o curso, vamos nos conectar pela plataforma Zoom, eu envio alguns dias antes um link para você acessar e fazemos esse encontro numa sala virtual com todos os demais inscritos. Nessa plataforma podemos interagir como num encontro presencial, em tempo real. 

Para participar é necessário efetuar a inscrição mediante pagamento, que pode ser por depósito ou transferência bancária.

Uma turma incrível e com muito conteúdo já está se formando, venha participar também. Espero vocês e quem sentir de participar é só me dar um toque por meio de um dos canais abaixo.

Canais de contato:

Whatsapp 11 97038-8490
Email: verbennaterapias@gmail.com
www.facebook.com.br/verbennaterapias
insta: @verbennayin

Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Mulheres que amam demais

Hoje gravei um vídeo falando um pouco mais sobre esse tipo de relacionamento onde a mulher se dedica de forma desmedida ao vínculo por conta do medo constante do abandono.

Nesse formato existe afeto demais e limites de menos, a mulher é muito permissiva e geralmente existe confusão nos papéis exercidos por cada uma das partes desse relacionamento, onde ela se sente esvaziada e sem voz própria.

Confira o vídeo e veja se você se identifica com alguma dessas características.


domingo, 2 de fevereiro de 2020

Mães Narcisistas

Hoje o post é para falar sobre uma experiência diferente com a figura materna da nossa criação.

O que acontece quando essa figura não cumpre nossa necessidade de alento, conforto e nutrição?

Acompanhe o vídeo e conheça um pouco mais dessa dinâmica que é mais comum do que se pensa. E se você conhece alguém que viveu uma história parecida, compartilhe esse vídeo com ela também.

Este tema ainda é um tabu e por isso precisamos falar mais sobre isso!


sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Arquétipos vivos na Bolívia

Os arquétipos são vivos.

Temos acompanhado o que vem se passando na Bolívia e existem pontualmente dois arquétipos muito fortes se manifestando por lá.

O primeiro é o arquétipo de Lilith, que foi manifestado na agressão desferida à prefeita de Vinto - que foi sequestrada, agredida durante 4 horas, teve seu cabelo cortado e pintado de vermelho e tudo foi transmitido ao vivo pelas redes sociais.

O mito de Lilith representa uma predisposição a punir a mulher que ousa sair do seu lugar de submissão, como Patrícia Arce fez ao ocupar hoje uma posição de exercício do poder como prefeita. Lilith tem longos cabelos vermelhos e Patrícia foi punida com a perda dos cabelos e marcada por essa mesma cor. Patrícia foi acusada de suscitar o ódio com sua atuação em prol da igualdade social, como Lilith foi punida por exigir igualdade à condição feminina.


verbenna yin


E olhem que coincidência, nesse dia a Lua estava conjunta a Lilith. No horário dos vídeos que transmitiram a agressão (18h) Urano estava na linha do ascendente. 

E outro arquétipo que está vivo nos Altiplanos é Prometeu, o titã que amava a humanidade e ousou roubar o fogo dos deuses para dá-lo aos homens. O fogo é esse elemento que representa o desejo, a força que nos movimenta a realizar nossos sonhos. Com o fogo nos aquecemos, transformamos materiais, forjamos armas e iluminamos a noite, de fato e simbolicamente. Prometeu deu aos homens condições de acreditarem serem melhores.

Mas Prometeu foi punido por Zeus, a autoridade divina. Foi exilado, preso a uma rocha e condenado a ter o fígado eternamente devorado por uma águia.

Assim como no mito, a autoridade do presidente foi destituída não pelo rito democrático mas por uma autoridade maior que é a voz de deus. Por isso a imagem da Bíblia esteve associada à tomada do palácio presidencial, notem que nesta foto e em tantas outras a Bíblia usada tem na sua capa essa referência a autoridade divina bem clara.

verbenna yin


Jung diz que os arquétipos são "sistemas vivos de reação e prontidão que, por via invisível e, por isso, mais eficiente ainda, determinam a vida individual."

Quando a gente se pergunta como certas coisas ainda acontecem em 2019, lembrem-se dessa força viva que são o arquétipos e que são capazes de trazer à tona de forma tão irracional nossos aspectos escondidos e ainda não assimilados. É nosso dever pensar, falar a respeito, debater ideias sobre estes acontecimentos porque é essa elaboração que será capaz de superar preconceitos e retrocessos coletivos. Quando a gente conscientiza esses aspectos arquetípicos, saímos do domínio do irracional e a própria matriz do inconsciente coletivo se reorganiza.

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Filme Coringa - análise psicanalítica

verbenna yin

Hoje quero falar um pouco sobre o filme Coringa (2019) nessa versão estrelada por Joaquim Phoenix que encarna o vilão das histórias em quadrinhos de uma foram surpreendentemente humana.

Já nas primeiras cenas do filme o personagem principal, ainda Arthur Fleck, é mostrado como um palhaço profissional que está fazendo sua maquiagem, um rosto com um grande sorriso vermelho estampado. Porém sua atitude não é de alegria, ele está com o olhar mais distante e em certo momento uma lágrima escorre. O palhaço está triste. E já nesta primeira cena entramos em contato com essa dimensão dicotômica na qual todos nós nos identificamos com o personagem, com as ambivalências dos sentimentos. Todos somos capazes de reconhecer essa polaridade que existe dentro da gente, amor e ódio, alegria e tristeza, inveja e gratidão e por isso nos reconhecemos de imediato com o personagem logo no início do filme.

Afinal, quem nunca teve que forçar um sorriso e fingir que estava tudo bem?

Além disso, o personagem está em conflito pois depende de medicamentos psiquiátricos para manter a saúde estável e conta com a ajuda do serviço social para isso, porém é informado que essa ajuda será interrompida e não terá mais acesso aos remédios, antevendo assim os desdobramentos da sua doença mental.

Também no início do filme Arthur Fleck é agredido por um grupo de garotos sem conseguir se defender, mesmo caído no chão os garotos continuam chutando e batendo nele. Isso nos mostra o quanto Arthur é de fato impotente diante da vida que se impõe, ele não consegue se posicionar nem realizar o que de fato deseja fazer.

Em casa, Arthur cuida da mãe idosa e doente mentalmente. A mãe o chama de "Feliz" e ele conta pra ela que está se preparando para fazer um Stand-up Comedy, uma apresentação de humorismo. Tem um sonho de um dia participar de um programa de TV como convidado, onde contaria piadas engraçadas fazendo todos rirem e receberia de volta o abraço com elogios do apresentador.

Com tudo isso a gente percebe o quanto Arthur internalizou o discurso da mãe, que o vê como alguém que precisa levar alegria adiante. Ele incorporou esse desejo dela não só atuando como palhaço profissionalmente mas também desenvolvendo uma risada bem sonora, descontrolada, a qual ele não consegue parar e acaba incomodando os outros com isso. Essa risada é um grande sintoma que metaforiza todo o processo de alheamento de si-mesmo, pois ele não consegue ser outra coisa senão o desejo da mãe. Outro sintoma é sua aparência física, ele é extremamente magro e pálido, sem energia, e passa uma imagem de quem está faminto, desnutrido e não encontra saciedade.

Arthur não teve pai, não se sabe quem seria esse pai e ele viveu uma completa ausência da figura paterna responsável pelo processo de inclusão do indivíduo no mundo simbólico. Percebemos que Arthur tem dificuldades com limites, haja vista sua risada descontrolada, bem como já desenvolveu alucinações sobre um relacionamento afetivo com a sua vizinha. Neste ponto, a foraclusão lacaniana explicaria um tanto a estrutura psíquica desse sujeito no ambiente da psicose, pois a ausência da castração paterna (nome do pai) impede o processo regular de simbolização e o reconhecimento dos desejos internos.

A mãe por sua vez é narcisista e vive com o filho numa dinâmica também narcísica onde o faz acreditar que ele seja aquilo que ela vê e deseja, mas ao mesmo tempo não o confirma. O filho se esforça para agradá-la mas ela não corresponde, inclusive rejeita o esforço que ele faz. Quando ele conta que irá se apresentar no Stand Up ela responde ironicamente que "ele não tem graça", desqualificando seu esforço em agradá-la e gerando nele sofrimento pela falta de acolhimento.

Por outro lado, Arthur realmente não tem muito talento para fazer rir e inclusive precisa pensar e escrever as piadas que pretende contar, demonstrando que existe um conflito entre o que ele é de fato e o que ele acredita ser.

Então esse personagem que vive suas ambivalências, está numa condição vulnerável socialmente, dependente de uma medicação que não será mais fornecida, está também diante de um conflito importante que é o reconhecimento de que seus desejos próprios não tem lugar no mundo onde vive e ele não conseguirá realizá-los.

Quem realiza no mundo é o Ego, é essa a instância que consegue se relacionar com as pessoas e que concentra aquilo que conhecemos sobre nós. Mas para que o ego se estruture adequadamente e possa cumprir suas funções são necessárias algumas condições basilares de desenvolvimento:
- RECONHECIMENTO
- VALORIZAÇÃO
- PERTENCIMENTO.

O reconhecimento vem da figura materna, que ao atender os desejos primitivos do bebê confirma sua existência e valida suas necessidades, fazendo surgir um canal de circulação positiva da libido. Em seguida, a valorização do indivíduo vem da figura paterna, que no processo de castração e imposição de limites faz com que o sujeito perceba suas próprias capacidades e consiga se sustentar sozinho, levando-o a um passo adiante na circulação libidinal que é o querer-realizar. Já o pertencimento é o ambiente de acolhimento e segurança onde nos sentimos parte de algo maior, aprendemos a fazer ajustamentos nos nossos impulsos para seguirmos conectados ao grupo ao qual nos identificamos e  isso reforça as características próprias que reconhecemos em nós.

Para Arthur faltaram esse 3 aspectos, a mãe não o reconhecia como indivíduo desejante, ele não desenvolveu um senso de valorização pois a figura paterna foi ausente e ainda não possuía núcleos afetivos que conferissem a sensação de pertencimento. O Ego dele não deu conta.

E com todo esse contexto, Arthur recebe "de presente" uma arma, esse objeto fálico que irá transformar sua vida para sempre. Ele de alguma forma reconhece o poder contido nesse objeto, de uma forma totalmente inadequada o leva para uma apresentação cômica num hospital infantil, demonstrando que se vinculou ao objeto e construiu um certo significante a partir dele.

A partir daí, Arthur passa a ter reações mais agressivas. Mata com a arma os rapazes do trem que o estavam assediando e em seguida performa uma dança solitária e muito envolvente consigo mesmo no espelho de um banheiro público, num retorno talvez ao estádio do espelho onde possa reaprender a se ver e a se reconhecer e assim, finalmente, conseguir lidar com sua própria esfera desejante.

Em seguida Arthur mata sua mãe por sufocamento e nesse ato confessa que sua vida "era uma grande comédia". O sufocamento da mãe aparece como contraponto à sua necessidade de afirmação, pela palavra, daquilo que é o seu real e aqui o indivíduo passa para um autorreconhecimento muito importante que irá conduzir a narrativa daí pra frente já de uma maneira muito mais apropriada de si mesmo - ainda que as escolhas do personagem recaiam na agressividade e violência.

As mortes também evidenciam como Arthur Fleck não consegue simbolizar, as vozes que o incomodam agora precisam ser caladas literalmente e ele age no mundo real matando de verdade e assim confirmando sua existência.

Ele diz: "Durante toda a minha vida eu nem sabia se eu realmente existia. Mas eu existo, sim."

Por último Arthur se transforma em Coringa, se apoderando de uma imagem visual própria e que evoca a figura do Joker do carteado. Ele surge numa escadaria e dança novamente, uma dança mais segura e firma, uma performance. O Coringa está diante da oportunidade que tanto queria sendo convidado a participar do programa de televisão. Porém, ao ser entrevistado, o Coringa percebe que a intenção do apresentador não é exatamente mostrá-lo como um comediante mas sim como a própria piada, numa exploração do seu sofrimento pessoal. Ele fica bastante afetado emocionalmente e reage matando o apresentador em rede nacional, usando a arma (objeto fálico) para fazer cessar aquela situação de incompreensão e exploração da sua dor.

Dali em diante o Coringa passa a ser um símbolo social e a cidade vive um momento de revolta coletiva, com pessoas fantasiadas também de Coringa e desafiando a ordem e a autoridade, numa correspondência entre o individual e o coletivo e sugerindo, tal qual Jung, que o processo de um único indivíduo tem o condão de afetar também a sua coletividade. O tempo todo o filme mostra analogias entre o que se passa individualmente com Arthur Fleck e a cidade, o ambiente tóxico, a fumaça constante de cigarro, o lixo acumulado pelas ruas, a poluição e as cores cinzas da cidade. Da mesma forma, quando Arthur se transforma em Coringa e retoma pela arma sua narrativa própria, estoura uma revolta social na cidade que agride as figuras de autoridade (policiais e prefeito). Símbolos que vão registrando a chegada de uma nova ordem, uma reorganização do sujeito e, por consequência, o caos efervescente do seu meio.

E neste turning point da trajetória de Arthur em Coringa me parece muito oportuna a frase de Nietzche, quando propõe a ideia do Übermensch, o Super-Homem ou o Além-do-Homem como criatura capaz de fazer a organização estabelecida voltar a um ponto zero para ser reiniciada.

Ele me parece esse além-do-homem justamente porque ao reclamar sua existência e retomar o seu poder, o Coringa não se fixa a nenhuma das estruturas psíquicas freudianas: ele poderia ser perverso mas deseja e demonstra afeto, até poupou o anão e o deixou sair; ele poderia ser psicótico e realmente alucina um relacionamento com a vizinha, mas ele retorna dessa fantasia e faz isso sem uso de medicação; ele tem no corpo uma conversão histérica da risada como manifestação do desejo da mãe mas já não tem mais o desejo de se ajustar neuroticamente.

O que é o Coringa, afinal?

"É preciso ter o caos dentro de si para fazer surgir uma estrela dançante." O Coringa dançou ao se reconhecer no espelho, num gesto de espontaneidade de quem finalmente abriu caminho para a própria libido se expressar com liberdade de movimentos. Ele voltou ao ponto de partida e vai reescrever a estória.

O Coringa encarna em sua trajetória individual os requisitos que o tornam esse Além-do-homem, à sua maneira mais agressiva e violenta, mas que num universo dual, de polaridades e ambivalências, o torna o precursor do real Super-Herói (Batman) que irá surgir num segundo momento como resultado de sua ação numa tentativa de restabelecimento do equilíbrio da ordem em novas bases.

E pra finalizar, deixo aqui o vídeo do Youtube onde falei sobre o filme numa analogia bem interessante com o TAROT, onde a gente encontra esses conceitos já formulados e simbolizados graficamente. Ative as legendas :-)









segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

A solidão da mulher produtiva

verbenna yin


Eu geralmente atendo mulheres que estão numa fase muito produtiva das suas vidas, mas que em algum momento se dão conta de que essa produtividade não lhes pertence.

Recentemente numa consulta uma paciente trouxe esse aspecto na vida dela. Acho que em maior o menor grau todas nós mulheres vivemos um pouco dessa situação que ela trouxe nesse encontro.

Era uma mulher independente e empreendedora, já tinha vivido dois casamentos, estava justamente saindo dessa última relação e se sentindo muito sozinha após a separação. Sua inquietação veio primeiro dessa forma: estava incomodada por se sentir sozinha.

Fomos observando esse lugar da “mulher sozinha” e acabamos constatando que ela não estava sozinha de fato, havia uma família, filhos, amigos e outras pessoas que continuavam a convivência com ela normalmente. Por que se sentia sozinha então?

Tentamos observar a questão do apoio mútuo que existe num casamento. Não havia mais apoio na relação que ela vivia, o marido demandava dela um suporte constante no sentido de presença, de afeto, de provisões materiais e até de comida. Não havia um movimento recíproco da parte dele em relação à ela, os planos e sonhos dela eram sempre muito “grandiosos” e ela “sonhava alto demais”, tudo que ela propunha fazer “daria muito trabalho” e ele se esquivava de fazer esse papel do apoio. Mesmo assim ela agia no sentido de realizar seus próprios projetos de vida, mas aprendeu a agir sem contar com a participação dele.

Com o tempo, ela deixou de compartilhar com ele o seu entusiasmo diante das possibilidades pro futuro, aprendeu que era melhor assim pra ele não contaminar os seus projetos. Aprendeu a viajar com as amigas de quando em vez para poder se inspirar e por várias vezes deixou de comemorar os seus sucessos profissionais para não ofender esse marido que estava cada vez mais desmotivado e dependente dela.

Veio a crise, entre eles havia um incômodo no fato dessa mulher ter dado um jeito de se manter produtiva e de desfrutar daquilo que a sua produtividade permitia.

Até aquele momento da vida a dois, toda a produção dessa mulher havia sido destinada às necessidades do casal, o seu tempo, seu esforço e seu dinheiro tinham como destino suprir as demandas quotidianas da casa e dos filhos ainda pequenos. Mas agora essa mulher estava diferente e sua nova atitude que, além de suprir as demandas da família também dava conta dos seus próprios desejos, era vista, pelo marido, como uma afronta ao seu delicado momento pessoal.

E então aconteceu na consulta aquele momento em que a gente percebe uma verdade que sempre esteve lá: ela já estava sozinha fazia tempo.

O quanto essa noção de “estar sozinha” para nós mulheres é definida pelo destino do nosso esforço?

Será que estamos nos sentindo acompanhadas apenas quando nos dedicamos a atender uma situação onde um homem está envolvido?

O quanto de machismo constrói esse pensamento e quem se beneficia dele?

Houve recentemente um caso de duas turistas argentinas que foram atacadas durante uma viagem ao Equador e a imprensa noticiou o fato chamando a atenção para o fato de que elas “viajavam sozinhas”, culpabilizando tacitamente as mulheres pelo ataque que sofreram. Quando duas mulheres, que estão juntas e portanto fazendo companhia uma à outra, são consideradas “sozinhas”, quem é que está faltando?

E daí fomos explorando nas sessões seguintes essas correlações entre a companhia do homem no espaço público para definir quem é uma mulher “de respeito”, até chegar nesse modelo de vida onde as mulheres mantém relacionamentos em que não são atendidas na intenção de evitarem o lugar da “mulher sozinha”, ainda que estejam de fato sozinhas na relação e se esforçando demais por conta disso.

Para essa mulher foi bem importante assumir que estava de fato sozinha, mas que não era uma pessoa necessariamente solitária, tinha amigos e família que continuavam a acompanhá-la. E essa constatação funcionou como uma autorização para agora pudesse gozar livremente do seu tempo e da sua produtividade como bem lhe conviesse. Que o medo de ser uma “mulher sozinha” a mantinha numa roda viva, destinando toda sua produtividade num estilo de vida que a consumia totalmente e que sequer supria sua demanda individual pela companhia e apoio que idealizava no casamento.

E eu estou pensando nisso até agora, o quanto queremos acreditar nessa programação cultural que afirma que nossa produtividade no mundo só tem valor quando é destinada ao projeto família onde a mulher se realizaria como esposa e mãe. Será mesmo?

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Mães Narcisistas



Esta semana dei uma entrevista ao Jornal Estadão, à jornalista Rita Lisauskas, pra falar sobre este tema que, apesar de ser recorrente na história pessoal de muitas mulheres, não recebe o apoio nem a empatia por parte do senso comum pois ainda estamos muito arraigados ao ideal da "mãe carinhosa" que se "sacrifica" pela sua família.

Porém, o Transtorno de Personalidade Narcisista é uma patologia real, reconhecida pela comunidade médica e tem código no DSM, a lista das doenças conhecidas. Ou seja, é uma quadro de anormalidade. E que pode acometer mulheres, determinando a constituição da sua personalidade e se manifestando na qualidade da sua maternagem no futuro.

Nesse quadro, a relação mãe e filha fica comprometida por uma atitude constantemente perversa dessa mãe. A mãe age com hostilidade, falta de acolhimento e cuidados enquanto a filha quer pertencer e tenta agradar o apetite insaciável dessa mãe insatisfeita, o que compromete sua auto estima e capacidade de realização no mundo. Geralmente nesses casos o afastamento é necessário para que a filha possa se recompor e entender suas opções possíveis no relacionamento com a sua mãe dali pra frente.

Mas existe algo aí nessa nomeação do problema que sempre me incomodou, que é o fato dele se fixar no aspecto da hostilidade entre mulheres.

Para a filha, que teve sua personalidade moldada nesse ambiente de hostilidade frequente, será muito difícil confiar em outras relações e contextos, o que promove nela uma sensação de que deve se defender o tempo todo e gera muita ansiedade. E como essa noção é inconsciente, a possibilidade de se gerar uma sombra que atraia justamente pessoas que não merecem confiança é grande, reforçando a sensação de hostilidade do mundo e de incompreensão recorrente.

Já a mãe, que é a parte perversa da história, essa geralmente age com agressividade e pode representar um risco real para a filha criando situações que causam danos de verdade para ela. Para a mãe narcisista resta o julgamento por ter agido de forma tão contrária ao que se espera de uma figura materna. Ela mesma não se dá conta disso e vê na filha a "ingrata" que não percebe o quanto ela quer "ajudar", e para si vai justificando a hostilidade que mantém na relação.

Porém, olhar para a questão já estabelecida esconde o fato de que essa condição é o resultado negativo de um evento forte que aconteceu na vida dessa mãe, não teve o tratamento adequado e acabou por comprometer a saúde psíquica dela. E geralmente tem a ver com histórico de estupro e aborto da mãe que se manifesta durante um puerpério terrível dessa filha.

Nenhuma mãe quer conscientemente destruir a autoestima de uma filha, isso acontece como consequência numa dinâmica que vai se estabelecendo porque ninguém nunca olhou para essa mãe e ela não teve a chance de ser cuidada como precisava. E a filha, por sua vez, se não tiver a oportunidade de cuidar desse trauma, quando ela for mãe pode repetir esse mesmo padrão na sua maternagem - o que vem sendo interpretado como sendo uma predisposição genética.

Pra mim, essa é também uma predisposição da sociedade que não apoia de fato a maternidade.

Se enquanto sociedade a gente realmente apoiasse a maternidade, entendesse que a mãe precisa de cuidados específicos nessa fase da maternagem, incluindo afastamento do trabalho e apoio emocional pra lidar com suas questões, e que isso não é frescura nem privilégio, daríamos um passo bem importante garantindo a saúde mental de quem cuida da formação de toda uma geração de pessoas.

Quando a gente não apoia a maternidade, abre caminho para o adoecimento das mães e para o estabelecimento de quadros psíquicos negativos nos filhos. Em larga escala, uma população inteira com desenvolvimento psíquico impactado.

O transtorno da Mãe Narcisista existe e precisa ser cuidado, mas a gente precisa enxergar além do problema já estabelecido entre mãe e filha e contextualizar essa conversa para não cair no conhecido lugar de culpabilização da mulher e silenciamento do real problema, que é essa dinâmica social que atropela mulheres na maternidade e da qual elas nunca escapam ilesas.

Às vezes para essa filha a solução para interromper os danos causados pela mãe que sofre desse transtorno é o afastamento, pois há risco real para essa filha. Mas para quem é filha, só o afastamento não resolve, ela quer entender o que houve e quer ser legitimada em sua dor. Para isso, o caminho da terapia pode ser extremamente positivo, ajudando-a a compreender as razões que estabeleceram esse quadro e dando maior sentido às histórias para que tudo se acomode internamente da forma possível.

Vou transcrever abaixo a entrevista, mas se você quiser ler diretamente na matéria o link está aqui:

https://emais.estadao.com.br/blogs/ser-mae/a-mae-narcisista-e-habilidosa-em-se-fazer-de-vitima-e-de-dizer-que-a-filha-e-ingrata-explica-psicanalista/

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‘A mãe narcisista é habilidosa em se fazer de vítima e dizer que a filha é ingrata’, explica psicanalista

POR RITA LISAUSKAS
05/09/2018, 11h22

A psicanalista Verbenna Yin, 41, lembra que quando era pequena nunca conseguia agradar a mãe, pelo contrário. Nada do que ela fazia parecia bom o suficiente. As notas sempre altas na escola e até os bons textos que escrevia, que eram elogiados pela professora, eram depreciados pela mãe, que também não poupava críticas à aparência da filha, ainda uma menina. “Ela vivia me dizendo que eu era feia, muito feia”, lembra.

Já os dois irmãos de Verbenna recebiam um tratamento diferenciado, porém não menos tóxico: o menino, filho do meio, era o protegido, “sempre elogiado”, enquanto a outra irmã, a caçula, era tratada como “incapaz”. A hoje psicanalista conta que passou a infância e a adolescência tentando conquistar a admiração e o carinho dessa mãe, sem sucesso. Quando tinha 18 anos, o choque: a mulher que ela se esforçava tanto para impressionar tentou matá-la. “E não foi durante uma discussão ou tentando se defender de uma ameaça. Foi uma agressão gratuita, quando eu estava quase dormindo”, conta. A jovem saiu de casa e se afastou da mãe, por questão de segurança.

Anos depois, já formada em psicanálise, mãe de dois meninos e ainda longe da mulher que a colocou no mundo, Verbenna conta que mães como a dela, que destroem a autoestima dos filhos e transformam a infância e vida adulta deles em um inferno são mais comuns do que se possa imaginar. “São as mães narcisistas”, explica, agora como psicanalista. “O transtorno de mãe narcisista é um quadro real onde a relação mãe e filha fica comprometida por uma atitude constantemente perversa dessa mãe, que age com hostilidade, falta de acolhimento e cuidados enquanto a filha quer pertencer e tenta agradar o apetite insaciável da mãe insatisfeita, o que compromete sua autoestima e capacidade de realização no mundo”. Perceber que se é filha de uma mãe narcisista pode doer, conta, agora como filha . “A gente espera ser acolhida e é difícil romper com esse ideal de que a mãe sempre quer o seu melhor. Nem sempre ela quer”, afirma.


Blog: Como é a relação dessa mãe narcisista com seus filhos?

Verbenna: É uma dinâmica permanente que se estabelece geralmente com uma filha, que é o ‘bode expiatório’, enquanto os outros filhos, quando existem, ocupam outros lugares: tem o ‘filho dourado’, que recebe todos os atributos positivos, e o filho ‘protegido’, incapacitado por essa mãe e atingido em sua autoestima. É uma dinâmica inteira que não atinge apenas um dos filhos. Mas a existência desse ‘bode expiatório’ entre eles é que é muito cruel. Geralmente é a filha mulher que recebe toda a projeção negativa dessa mãe.

Blog: Sempre é com a filha mulher?

Verbenna: Geralmente. Mas quando há dois filhos meninos ou quando há um filho só também se estabelece uma relação doentia com essa mãe que tem uma personalidade narcisista. É mais comum a gente encontrar filhas de mães narcisistas.

Blog: E como é essa personalidade narcisista?

Verbenna: É muito voltada para si mesmo, porque é disso que o narcisismo trata. É uma incapacidade de conexão real com o outro. A pessoa só consegue se relacionar com o mundo a partir do que ela reconhece dela mesma nesse lugar externo. Com relação à maternidade, fica muito difícil o exercício de empatia dessa mãe, que não consegue ser tão sensível assim às necessidades dessa criança, podendo ser negligente ou exigir coisas que ela não tem condição de atender.

Blog: E essa dinâmica começa sempre quando a filha ou o filho ainda é bebê?

Verbenna: Os transtornos de personalidade se estabelecem aí, nesse momento, no primeiro ano de vida. A qualidade da relação entre essa mãe e essa filha é determinante para se estabelecer esse problema. A gente só olha para fenômeno já acontecido, registrado, fechado. Mas essa mãe, que é narcisista de fato, também foi um bebê, então sua personalidade narcisista se desenvolveu também quando era bebê. Essa questão nunca é isolada, ela é acompanhada também de outros quadros, então essa mãe pode ser esquizofrênica, sociopata, psicopata. Só que ela não nasceu assim, isso se estabeleceu quando era criança e se a gente vai pesquisar encontra uma avó com traços muito parecidos e que reporta histórias extremas de violência, abuso e outras coisas piores. Olhar para a questão já estabelecida esconde o fato de que essa condição é o resultado negativo de um evento forte que aconteceu na vida dessa mãe, que não teve o tratamento adequado e que acabou comprometendo sua saúde psíquica.

Blog: E quando começam os conflitos?

Verbenna: Quando as crianças ganham mais autonomia e começam a fazer suas próprias escolhas, a “desagradar” muito essa mulher, porque não “refletem” mais essa mãe, que não aprova, desqualifica e gera um abalo na autoestima dessa criança. E isso é recorrente, não é um quadro temporário. A autoestima desse filho vai ser testada durante toda a convivência dele com a mãe. Para a filha, que tem sua personalidade moldada nesse ambiente de hostilidade frequente, será muito difícil confiar em outras relações e contextos, o que promove nela uma sensação de que deve se defender o tempo todo, o que gera muita ansiedade.

Blog: E tem como alguém de fora intervir nesse processo?

Verbenna: Geralmente isso só é conscientizado pela filha na idade adulta, a família não compreende o que está acontecendo. Além disso, a mãe narcisista é muito habilidosa em se fazer de vítima e de incompreendida, de dizer que ‘a filha é ingrata’, então muitas vezes a família apoia essa mãe. Até se dar conta dessa dinâmica nociva.

Blog: Como a mãe narcisista age?

Verbenna: É muito mais grave do que as pessoas imaginam. Ela expõe a filha a situações de risco real: esquece em algum lugar, não busca, vai a ambientes de risco com aquela criança, exige muito da filha e quando ela corresponde ao que for exigido não dá o devido valor pelo seu esforço, ou destrói algo importante para essa menina. A mãe, que é a parte perversa da história, geralmente age com agressividade e pode representar um perigo para a filha, criando situações que causam danos de verdade para ela. Então essa criança fica numa condição muito difícil e constrói sua identidade nesse lugar de extrema vulnerabilidade. E quando ela cresce, já adulta, uma rivalidade se apresenta, que pode culminar com ameaças reais à integridade da filha.

Blog: Como foi a sua infância e adolescência?

Verbenna: Desde pequena minha mãe tinha uma fixação com a minha aparência, dizia que eu era uma criança feia, muito feia e que eu precisava estudar muito porque, no mundo, as mulheres conseguiam as coisas pela ou pela beleza ou pela sabedoria. Eu recebia pouquíssimo apoio com as coisas que eram minhas habilidades e ao mesmo tempo havia uma tentativa de diminuir tudo o que eu fazia. Eu era uma criança muito artística e ela não deixava que isso se desenvolvesse em mim. Eu adorava aulas de dança, mas ela me proibia de fazer. Desde pequena eu amava escrever, então escrevi um livro que minha escola, lindamente, decidiu publicar. Mas ela não deixou. E as coisas foram progredindo: eu não pude estudar no colégio em que eu tinha passado no ‘vestibulinho’, ela me trancava dentro de casa para eu não poder fazer minhas atividades. Era uma agressividade voltada para um filho só, naquela dinâmica do “bode expiatório”.

Blog: E seus irmãos, como ela tratava?

Verbenna: Seguia bem o roteiro. Tinha um que era confirmado em tudo, recebia todo o apoio e dedicação possível e a minha irmã, a terceira filha, criada nesse aspecto da incapacidade. Ela era muito querida, amada, “mas não era tão capaz assim”. E os filhos acabaram criando sua identidade a partir desses lugares.

Blog: O que você pensava? Que sua mãe não te amava?

Verbenna: Eu achava isso, mas também que era uma pessoa injusta, pela diferença de tratamento entre nós. Eu tentava sempre argumentar, o que a irritava demais. Ela era muito agressiva e me batia muito. Foi aí que eu percebi que esse convívio mãe e filha, tão comum para as outras pessoas, não era possível para mim. Eu me sentia culpada e tentava compensar isso de várias formas, tentando ser uma ótima aluna na escola, fazendo coisas que eu achava que ela poderia gostar dentro das coisas que valorizava. Mas todo o melhor que a gente tenta dar para essa mãe nunca é suficiente.

Blog: Qual foi a gota d´água entre vocês?

Verbenna: Eu percebia que havia algo muito errado na nossa relação desde sempre, algo fora do natural. Mas quando eu tinha 18 anos ela tentou me matar com uma faca e não durante uma discussão, em uma tentativa de defesa a uma ameaça. Foi uma agressão gratuita, quando eu estava deitada, quase dormindo. Daí eu decidi me afastar por questão de segurança. Quando meu filho nasceu ela foi à Justiça questionar minha capacidade de ser mãe, pedindo a guarda do meu filho. Foi aí que eu solicitei, em meio ao processo judicial, que fosse feita uma avaliação psicológica dela. Segundo o laudo, minha mãe sofre de esquizofrenia paranoide há muitos anos. E o narcisismo é um traço dentro desse contexto maior. Mais tarde, quando eu fui me formar em psicanálise e depois atendendo a algumas pessoas, filhas de mães narcisistas, percebi que a gente fica nesse lugar de menina machucada e não percebe que esse narcisismo pode fazer parte de algo maior.

Blog: Sua mãe se tratou depois do diagnóstico?

Verbenna: Não, e ela não aceita esse diagnóstico até hoje. Por isso eu tomo alguns cuidados. Ela não sabe onde eu moro, por exemplo, porque tem rompantes, então eu a deixo afastada. Mas há um ano mais ou menos eu a procurei e não fui bem recebida, para mim era importante esse convívio com ela, minha única figura parental. Mas não fui bem recebida não.

Blog: E como é a relação com seus filhos? Como foi se tornar mãe tendo essa bagagem?

Verbenna: Foi um renascimento, eu sabia que eu queria uma experiência de maternidade diferente, tinha certeza de que não podia reproduzir aquilo, então eu me dediquei completamente à função materna para que ela fosse positiva.

Blog: Você sente algum impulso de fazer com que seus filhos algumas das coisas que sua mãe fez com você?

Verbenna: Eu sinto que esse impulso psíquico do narcisismo me atravessa em alguns momentos, mas um dos efeitos positivos da terapia é me permitir estar consciente para sentir ele se aproximar, sem me entregar. Eu acredito que exista um padrão de rejeição em filhas de mães narcisistas, como eu, uma falta de conexão com os outros, e eu senti isso na minha maternagem, principalmente quando os meus filhos ficaram um pouquinho maiores. Eu estava com eles, mas não estava totalmente presente, não conseguia me sentir integrada. Foi isso que me fez olhar para além da minha própria história, ver que esse foi um referencial de comportamento, algo que me constituiu, mas que eu podia tratar. Existem ferramentas eficientes para rever isso, para que a gente faça reparações conscientes da nossa maternagem.

Blog: Você já sabe o que aconteceu na infância da sua mãe?

Verbenna: Sim, hoje eu sei. Conversamos e descobri que ela teve um trauma muito importante no início da vida, algo que não foi nomeado e nem tratado. Ela acabou se abrindo e me contou algo que ninguém da família sabe até hoje. Sem dúvida, o fato dela ter dividido isso comigo mudou nossa relação, porque agora eu sinto empatia por ela. Perceber que essa maldade da qual ela foi vítima foi resultado de algo que ela não pôde impedir iguala o meu lugar ao dela. Eu também fui vítima de algo que eu não pude impedir. Nenhuma mãe quer conscientemente destruir a autoestima de uma filha, isso acontece como consequência de uma dinâmica que vai se estabelecendo porque ninguém nunca olhou para essa mãe, ela não teve a chance de ser cuidada como precisava.

Blog: Você perdoou sua mãe?

Verbenna: Eu perdoei, claro, e só porque eu perdoei consigo atender mulheres que passaram pelo mesmo que eu. Mas a convivência com ela me colocaria num lugar de receber, de novo, intolerância, críticas, desqualificação do meu esforço. O meu perdão não faz com que ela mude de comportamento e, por isso, para me preservar, eu prefiro não conviver com ela.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O Mundo

verbenna yinE chegamos finalmente à ultima carta da sequência dos arcanos maiores do Tarot com o arcano do Mundo, também denominado de “O Universo”.

Neste arcano encontramos uma figura humana constituída por duas mentes, uma feminina e outra masculina, com um único corpo. O lado masculino à direita segura um bastão no alto, o lado feminino à esquerda segura um bastão e aponta para baixo.

Circunda essa figura uma imensa serpente que está engolindo seu próprio rabo, criando um limite diante dos objetos que estão na área externa e que se relacionam aos quatro elementos alquímicos: terra, água, fogo e ar.

A figura metade homem e metade mulher se relaciona claramente com a ideia do andrógino primordial e a Sizígia, referências propostas por Jung para compreender a reconciliação entre os opostos Anima e Animus na psique humana.

Anima é Animus são contrapartes da estrutura sexual predominante, sendo a Anima feminina e o Animus masculino. Uma pessoa do gênero feminino, uma mulher, tem em si uma contraparte masculina – o Animus, e da mesma forma, uma pessoa do gênero masculino tem si a contraparte feminina – a Anima.

Uma mulher não possui a Anima como contraparte pois ela mesma é a manifestação da natureza em sua forma e potência femininas, portanto, a mulher é inteiramente uma Anima. E da mesma forma ocorre com o homem, ambos são uma manifestação direcionada da natureza em si mesmos, mas possuem o potencial da parte contrária correspondente ao gênero oposto.

Para Jung, existe uma busca humana essencial por encontrar o aspecto da contraparte psíquica que inicialmente se estabelece no mundo externo, ou seja, nas outras pessoas. Nessa fase inicial, a identificação dos atributos acontece por meio de projeções e identificamos, ainda que inconscientemente, as características da nossa contraparte no ser amado.

É por essa contraparte que reconhecemos no outro que nos apaixonamos, e a um primeiro momento julgamos que esses aspectos dos outros nos faltem e na união com eles nos completamos.

Jung propõe que na verdade esses aspectos projetados são essencialmente nossos e por meio dos relacionamentos vamos amadurecendo essa percepção e reconhecimento sobre nós mesmos, até um momento do desenvolvimento psíquico em que podemos ver com clareza tais aspectos em nossa própria psique, num processo que chamou de sizígia – o casamento dos princípios masculino e feminino numa mesma estrutura psíquica.

Jung acreditava que: “É a alteridade psíquica que possibilita verdadeiramente a consciência. A identidade não possibilita a consciência. Somente a separação, o desligamento e o confronto doloroso através da oposição, pode gerar consciência e conhecimento.”

Nessa fase, o indivíduo não tem mais necessidade de projetar aspectos ocultos ou recalcados em outras pessoas, pois agora já se reconhece completamente em todos os seus aspectos. Assim, não há mais ilusões com o que se enxerga ou espera do outro, as relações tendem a ser mais livres e o medo da perda não mais se justifica pois aquilo que admiro no outro, também tenho.

Esse processo de reconciliação dos opostos é essencial para a dinâmica do homem transformado, onde a psique encontrou sua autorregulação através dos processos conscientes (metanoia) e inconscientes (enantiodromia). Neste modelo, a autorregulação é um processo que segue as leis universais e conduz naturalmente o indivíduo ao encontro consigo mesmo.

Na sua obra “O Eu e o Inconsciente”, Jung afirma que:

“Na medida do alcance de nossa experiência atual, podemos dizer que os processos inconscientes se acham numa relação compensatória em relação à consciência. Uso de propósito a expressão 'compensatória' e não a palavra 'oposta', porque consciente e inconsciente não se acham necessariamente em oposição, mas se complementam mutuamente, para formar uma totalidade: o si-mesmo (Selbst).”

Na representação deste arcano está presente o Uróboro, a serpente que engole a própria cauda e que simboliza o eterno movimento do Universo e a forma circular como uma unidade em si mesma, sem princípio nem fim. Ao circundar a figura hermafrodita, sugere que a dinâmica psíquica de compensação e complementação dos opostos é o caminho para se chegar na unidade primordial do SELF, enquanto centro da psique integral.

Para o homem transformado, o Ego consciente foi integrado ao SELF e agora opera no sentido de promover as ações no mundo externo coerentes verdadeiramente ao ser interno. Nesta fase, o Ego não tem mais necessidade de validações, reconhecimentos ou pertencimentos externos pois os objetos conquistados e os resultados das ações não mais confirmam o Ego. Ao ser integrado, o Ego se fortalece. Aqui o Ego está estruturado e pode ser um intermediador eficiente entre mundo interno e externo, com fidelidade completa ao SELF.

Ao escrever sobre “A Psicologia da Transferência”, Jung menciona o casamento entre Anima e Animus numa bela metáfora que envolve a unificação dos opostos masculino e feminino para fazer surgir uma nova criatura, completa, alinhada ao chamado do ser interno agora iluminado pela consciência:

"O negrume, ou seja, o estado inconsciente que foi resultado da união dos opostos, alcança um ponto de máxima profundidade que é ao mesmo tempo um ponto de reversão. O orvalho que cai anuncia a ressurreição e o surgimento de uma nova luz. A imersão em um inconsciente cada vez mais profundo é seguida por uma iluminação que vem de cima."

Simbolicamente, a iluminação é o processo de trazer um conteúdo oculto à luz consciência, para que possa ser incorporado no sistema mental do indivíduo e possa se manifestar no mundo físico. A sizígia é uma etapa primordial para fazer surgir o fio de luz condutor para que tudo que foi acessado no inconsciente encontre seu caminho até a consciência e possa ser finalmente incorporado à noção identitária e constituinte do ser. Quem fará essa incorporação é o Ego, enquanto centro ordenador da consciência e responsável pela interação com o mundo externo.

Assim, um Ego alinhado com o SELF é um poderoso instrumento de transformação do mundo externo, pois nesta fase se conhece a potência e a capacidade para agir, se possui a espontaneidade e leveza para fluir apesar das impossibilidades e das frustrações, e ainda existe conexão consciente com os desejos íntimos para realização das aspirações e propósitos de vida.

Essa noção é reforçada na representação arquetípica proposta pelo Tarot de Thoth de Aleister Crowley, na ilustração singular feita por Frieda Harris. Nesta carta a figura central é uma mulher, numa apologia ao trabalho da Anima como principal conexão entre o inconsciente individual e o inconsciente coletivo.

Emma Jung, esposa de Jung, escreveu notavelmente sobre essa característica da contraparte no gênero masculino. Para ela a Anima tem o potencial transformador mais poderoso pois pode suscitar modificações estruturais na personalidade:

“O papel de transmitir conteúdos inconscientes, no sentido de torná-Ios visíveis, recai acima de tudo sobre a anima. Ela ajuda na percepção de coisas que de outra maneira permanecem no escuro.”

Da mesma forma, Nise da Silveira ressalta o aspecto feminino como preponderante na capacidade humana de estabelecer vínculos saudáveis:

“Se o principio feminino no homem (anima) for atentamente tomado em consideração e confrontado pelo ego, os fenômenos decorrentes de seus movimentos autônomos dissolvem-se, suas personificações desfazem-se. A anima torna-se uma função psicológica da mais alta importância. Função de relacionamento com o mundo interior, na qualidade de intermediária entre consciente e in-consciente, função de relacionamento com o mundo exterior na qualidade de sentimento conscientemente aceito.”

verbenna yin
Na ilustração de Frieda Harris a mulher está nua, dançando, com um pé apoiado na cabeça de uma enorme serpente surgida de uma abertura semelhante a um olho cósmico, indicando o fluxo que vendo do grande mistério do inconsciente coletivo que é conduzido pelos desejos do inconsciente individual e terminam por se manifestar na consciência individual.

A figura está cercada por uma estrutura circular e ao fundo vemos a Banda de Moebius, que em Lacan encontra representatividade como forma indicativa da singularidade numa metáfora à forma circular (unidade) transformada pelas dobras onde não há mais mundo interno e externo, tudo é uma coisa só.

Quando a carta do Mundo aparece numa leitura terapêutica pode indicar um momento de profunda transformação pessoal, onde o indivíduo passou pelas etapas do caminho de individuação e compreendeu cada momento como significador e constituinte da sua personalidade.

Isso pode promover uma noção de sentido de vida e coerência, permitindo que a pessoa vivencie relacionamentos com mais leveza e liberdade bem como participe colaborativamente dos grupos a que pertença como forma de aprimoramento de si mesma e do mundo à sua volta.

Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise

sábado, 9 de junho de 2018

Sonho e desejo




No sonho realizamos aqueles desejos que não puderam ser ditos nem reconhecidos.

O desejo é o movimento interno do indivíduo na direção de uma satisfação que não foi atendida ainda, seja porque não conseguimos entendê-la ou porque estamos tão envolvidos com certas áreas e demandas da vida pessoal que não há atenção para percebê-la.

No desenvolvimento psíquico, à medida que vamos crescendo em idade vamos também percebendo objetos que atraem nossa atenção e que nos mobilizam à sua conquista: pessoas amadas, situações, posições sociais, objetos, patrimônio, lugares diferentes...

Qualquer que seja o objeto do nosso desejo, ele simboliza uma satisfação não atendida, uma necessidade de ser contemplado que ainda não teve chance de se concretizar.

Mas às vezes o desejo é incoerente com nosso momento de vida e "não combina" com a pessoa que temos sido. O desejo é inconveniente.

Por isso ele pode ficar escondido de nós, não aceitamos que aquela satisfação seja importante e deixamos "pra lá". Mas esse material não é descartado nunca, fica guardadinho no nosso inconsciente e quando há uma brecha a comunicação do desejo acontece quando o nosso racional não consegue mais impedir nem nos defender - quando dormimos.

Quando não conseguimos atender nossos desejos mais genuínos, eles retornam e se comunicam conosco na forma de sonho. É no sonho que acontece essa conversa íntima e pessoal de nós com a gente mesmo, onde o nosso inconsciente tem a chance de mostrar aquilo de que realmente precisamos para viver, o que vale a pena viver para experimentar.

Mas essa conversa não é pela lógica ou pelo racional, ela acontece no nível do simbólico e é através das imagens que o desejo se manifesta. Se estivermos atentos aos nossos sonhos, podemos entender melhor o que é que o nosso ser interno quer comunicar pra nós.

Acolher os sonhos é o melhor caminho para entender o que realmente precisamos viver para encontrar satisfação interna e nos sentirmos contemplados pela existência.

Nem sempre é fácil entender o que o sonho quer dizer, às vezes o mundo simbólico é cheio de mistérios e caminhos intrincados. Nesse caso é importante que você seja acompanhado no seu processo por um terapeuta que possa te acompanhar nesse desbravamento dos territórios psíquicos do sonhar e você possa finalmente entender o que seu inconsciente está de comunicando.

E atenção: quanto mais o sonho se repete, mais urgente é a necessidade de atender aquele desejo.

Então se você anda sonhando muito com um determinado assunto, não deixe passar a oportunidade de viver aquilo que seu sonho está te mostrando. Essa será uma experiência que ajudará a transpor uma etapa importante do seu desenvolvimento pessoal e certamente refletirá na expansão da consciência para começar novas etapas de vida.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

A Figura Materna no Mapa Natal


verbenna yin

Eu gosto muito das abordagens integrativas em todas as modalidades de conhecimento, especialmente na minha área que é a do estudo dos comportamentos e relações humanas. Meu objeto de estudo atual é a psicanálise mas eu vejo paralelos muito interessantes entre essa ciência e o mundo simbólico e arquetípico do tarot e da astrologia.

Hoje eu quero falar de uma correspondência que tenho visto com muita frequência nos meus atendimentos: a figura materna na psicanálise e no mapa astrológico de nascimento.

Na psicanálise de Freud e Melanie Klein, a figura materna tem um papel determinante na constituição da personalidade, mas M. Klein vai além do tradicional e, imagino eu, por ter sido mulher e mãe, propõe que o papel da mãe, para o bem ou para o mal, é a influência mais poderosa no desenvolvimento psíquico de qualquer ser humano.

É a mãe que vai receber aquele novo ser, vai amamentá-lo, aquecer e cuidar do seu corpo, do seu conforto e proteção. Por outro lado, o bebê estará iniciando sua experimentação no mundo enquanto corpo autônomo depois do nascimento e todos os acontecimentos vividos nessa fase inicial ficarão impregnados nesse corpo, numa memória viva que unirá impressões, emoções e sentimentos para toda uma vida.

Assim, a percepção do bebê sobre o seu primeiro ambiente molda a sua identidade. Num ambiente acolhedor para esse bebê, onde ele é bem recebido e suas necessidades são bem atendidas, sua percepção sobre si mesmo tende a ser igualmente positiva e confiante, contribuindo para um desenvolvimento psíquico saudável.

Já no caso de um bebê que desde o início enfrente um ambiente hostil, onde não recebe alimentação adequada (leite materno até os 6 meses de vida), é isolado no seu quarto e tem seus cuidados terceirizados, sua adaptação será mais desafiadora e ele tenderá a ver o mundo com desconfiança, aprenderá que precisa sobreviver e para isso criará mecanismos de defesa vários para garantia de sua subsistência - desde os sorrisinhos do bebê para seduzir os cuidadores até mesmo uma introspecção mais profunda de uma criança que sabe que foi rejeitada e pode desenvolver um transtorno de personalidade.

Para esses teóricos, inclusive posteriormente com o conceito da "mãe suficientemente boa" de D. Winnicott, a figura materna nem sempre é cumprida pela mãe biológica. Mas é fato que alguém exercerá o cuidado que esse bebê necessita para se adaptar ao mundo até adquirir uma certa autonomia para comer, andar e se vestir sozinho. Por isso se fala em "figura materna" e não apenas em "mãe", e é essa figura materna a determinante na construção da identidade.

E na astrologia temos uma interpretação muito alinhada com essa da psicanálise. Na astrologia o estudo da Lua no mapa de nascimento pode indicar qual foi a qualidade da maternagem que aquela pessoa recebeu, como essa figura materna influenciou suas impressões do mundo e como ela absorveu essas primeiras informações na sua adaptação inicial ao ambiente externo - e que muitas vezes perduram até a fase adulta.

Uma lua influenciada por Saturno pode resultar numa figura materna muito exigente e crítica, já uma lua sagitariana pode revelar uma maternagem mais lúdica e cheia de estímulos, enquanto uma lua em câncer pode caracterizar uma mãe excessivamente carinhosa e cuidadora.

Nessa correspondência entre as abordagens, um ambiente mais hostil do ponto de vista da psicanálise corresponderia a um ponto do mapa onde a Lua não esteja domiciliada ou está mal aspectada, por exemplo, resultando em histórias de maternagem nada "suficientemente boas".

E nos quadros mais graves onde a falha de maternagem pode implicar num desenvolvimento psíquico não saudável - que seriam os casos dos transtornos de personalidade e psicoses - a lua também pode dar essa pista astrologicamente no mapa natal. Lembrando que os antigos chamavas as pessoas com distúrbios psíquicos de "lunáticos", numa clara relação entre a influência da Lua e a impossibilidade de adaptação ao mundo.

Atendi uma vez uma pessoa com uma história muito difícil com a sua mãe, ela não se sentia parte da sua família desde sempre e não tinha memória de nenhum bom momento com a mãe apesar dela ter sido presente, tê-la amamentado adequadamente e sempre ter dado os melhores cuidados.

No mapa natal essa mulher tinha a Lua conjunta a Marte em Capricórnio na casa 12, porém o signo estava interceptado. Energeticamente, pela interceptação, ela tinha muita dificuldade de se conectar com a linhagem feminina da sua família e a Lua em Capricórnio lhe dava uma sensação de isolamento como se ela não pudesse contar com ninguém além dela mesma.

Depois da nossa sessão ela foi conversar com a mãe e descobriu que houve uma tentativa de aborto na primeira fase da gestação e que seu nascimento tinha sido muito difícil. Havia uma fragilidade nessa chegada ao mundo que foi sua primeira impressão, e foi essa impressão que ficou marcada e a levou a uma sensação de isolamento intransponível até então.

Compreendendo esses fragmentos da sua história pessoal, nesse olhar combinado da psicanálise com a astrologia, essa pessoa vem construindo uma nova relação não só com a mãe mas também com as demais mulheres dessa linhagem feminina na família. Para ela foi importante realizar que o seu momento de nascimento foi uma fase difícil para a mulher que era a sua mãe naquele tempo, mas hoje ela consegue se sentir integrada a essa família e consegue também receber as demonstrações de amor que essa mãe consegue fazer.

Mas nem tudo são flores no estudo da Lua. Também já presenciei uma situação de uma mulher com Lua em Leão num aspecto tenso com Vênus e Marte. Nessa dupla abordagem astrologia/psicanálise pudemos constatar que houve mesmo uma maternagem que deixou a desejar, essa criança não teve cuidados adequados e a mãe tinha comportamentos narcisistas em relação à filha - o que nela resultou num sentimento de profunda inadequação ao mundo que era compensada por uma intensa sexualização e agressividade nas relações.

verbenna yin

Nesses dois exemplos eu quero apenas apresentar que existe uma correspondência nos resultados dessas duas metodologias sobre casos concretos, o que me parece confirmar que ambas abordagens tem eficiente acesso às profundezas das memórias inconscientes e podem auxiliar de forma complementar quem estiver pronto para fazer esse mergulho em si mesmo e buscar suas origens e influências mais primitivas.

De toda forma, existem diferenciais entre as duas abordagens que eu também acho importante ressaltar. A astrologia sem dúvida é mais rápida e dá respostas imediatas, um bom astrólogo consegue enxergar a história da maternagem e sua influencia numa única consulta cuidadosa. Porém a astrologia não resolve o sentimento, saber o que aconteceu não tem o poder de pacificar as emoções de quem viveu um real abandono afetivo pela mãe, por exemplo.

Já a psicanálise é um processo mais lento e que tem como passo a própria capacidade de elaboração do analisando, ou seja, conforme o analisando vai se lembrando e elaborando sua fala para contar suas histórias, ele está re-organizando aqueles fatos para si mesmo e formando essa ponte com o inconsciente que, quando ele estiver pronto, vai permitir o acesso a essas partes da história que antes estavam ocultas e que ao serem iluminadas darão sentido para tudo que aconteceu.

Então eu gosto de pensar num casamento das duas abordagens, uma ajudando e enriquecendo a outra: a astrologia para desvendar as histórias de maternagem e a psicanálise para lidar com os efeitos dessas histórias e pacificar as conexões com a figura materna.

De toda forma, para nós mulheres é essencial que façamos esse percurso para resgatar as histórias da nossa maternagem e ficarmos em paz com a nossa linhagem feminina. Qualquer que seja a abordagem que mais tenha a ver com você, integrar a história da nossa mãe ao momento da nossa chegada neste mundo tem um grande potencial de cura nas nossas relações e nos liberta para manifestarmos nossa afetividade e confiança rumo à oitava superior: Vênus.

Confesso que adoro este trabalho ;-)

verbenna yin







segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Quando o pai é o limite

verbenna yin

Eu atendo muitas mulheres na faixa dos 30-40 anos que tiveram uma ótima educação, foram incentivadas a estudar e trabalhar pelos seus pais e são de uma geração que viu a mulher ingressar no mercado de trabalho e batalhar por independência e igualdade.

Essa é uma geração que se destacou positivamente no sentido de ir além do que todas as mulheres daquela linhagem conseguiram. Geralmente concluíram uma formação superior que não fosse na área de cuidado com crianças e são profissionais com um bom desenvolvimento de carreira e reconhecimento nas suas ações profissionais.

E é aí mesmo que a expansão na vida para e elas sentem uma dificuldade enorme de prosseguir no desenvolvimento das suas carreiras. Há um ponto em que as coisas não fluem mais, começam a aparecer dívidas que não se pagam mesmo com todo o dinheiro que ganham, começam novos projetos que não dão continuidade, estão sem tempo para o prazer e se sentem cada vez mais comprometidas com resultados que simplesmente não acontecem.

O que deu errado?

Para além da questão do impacto do machismo que culturalmente se impõe nesse cenário do desenvolvimento profissional das mulheres, existe uma questão pessoal importante que na minha opinião precisa muito ser revisitada pelas mulheres.

É a figura paterna e sua simbologia no sistema da família.

Nos meus atendimentos, quando eu percebo que a história daquela mulher tem essa tônica, eu geralmente pergunto:

“Você hoje considera que é maior do que o seu pai?”

E geralmente a resposta é: “Não, imagina, meu pai é a maior referência para mim, é meu porto seguro, ele é insubstituível, eu quero ser como ele um dia ainda” e tantas outras coisas que permeiam essa simbologia sobre a figura paterna. E como filhas me contam como os pais as salvaram em várias situações, reais e simbólicas, como eles as orientaram em momentos de dúvida e fizeram essa função de prover o sustento e garantir a própria existência delas.

Por outro lado, é fato que essas mulheres foram sim além do que seus pais puderam ir, talvez tenham tido mesmo mais oportunidades que eles, tiveram uma educação privilegiada e viveram um momento histórico de maior abertura para a mulher na participação em sociedade, o que lhes permitiu caminhar mais longe de verdade.

Mas ir “tão longe” pode ser tornar um conflito interno para essa mulher quando a imagem mental do pai foi essa imagem da pessoa mais grandiosa possível. Pois como seria possível ser maior do que aquele que admiramos e é nossa referência interna de crescimento e exercício do poder?

verbenna yin
O pai é o limite.
  
Muitas vezes as mulheres ficam presas numa lealdade invisível a essa figura paterna e não se autorizam a conquistar mais do que a figura paterna conseguiu, e assim vão criando um looping infinito de sabotadores internos que justificam falha ante falha para que o crescimento profissional fique estancado num lugar que as mantenha na condição de filhas – dependentes.

Claro que essa dependência não é consciente, e às vezes nem fica de fato vinculada ao pai, a dependência pode se deslocar para outras figuras como o marido, o companheiro/a, ou até mesmo a mãe se essa mãe fez a função paterna naquela dinâmica familiar.

E outras vezes a figura paterna também é superestimada porque a leitura que essa filha faz do seu pai é ainda aquela com os olhos da infância, que não percebe as falhas e as imperfeições daquele ser humano e nega qualquer aspecto nessa figura paterna que não seja o da perfeição.

Quando essa situação aparece aqui nos meus atendimentos eu faço questão de colocar essa hipótese para a mulher pensar a respeito. Geralmente elas não gostam da minha provocação, mas depois de uns dias me procuram de volta e dizem que ficaram muito incomodadas porque essa pergunta não saiu do pensamento delas. E no fim acabam confirmando que fazia sentido com suas histórias pessoais mas que nunca tinham percebido isso antes.

E quando essa percepção acontece é muito bacana pensar que o pai é alguém que nos ama e quer ver nosso crescimento constante sim, que o pai pode ser como uma grande árvore - que cresceu e frutificou e por isso pôde criar uma semente que um dia também se tornará uma grande árvore e assim permitirá a continuidade de toda uma floresta. E quando retiramos do ambiente as ameaças ao pleno desenvolvimento dessa semente, é muito provável que essa semente viceje mais forte e cresça mais ainda fortalecendo a floresta toda - aqui fazendo uma analogia com o fato da filha ter tido melhores oportunidades de crescimento.

Honrar a nossa figura paterna é também uma maneira de pacificar essa questão internamente, reconhecendo que aquele homem caminhou até o limite de suas possibilidades e recebendo com gratidão todos os esforços que ele fez por nós, filhas.

Mas isso não nos impede de olhar para a trajetória deles, como adultas, e perceber respeitosamente que nós filhas vivemos outra realidade hoje e temos outras oportunidades que nossos talentos e competências nos permitem - e assim nos diferenciarmos deles e construirmos nossas próprias histórias e conquistas.

É um grande tabu, eu sei. Mas também percebo que existem gerações que fazem saltos que serão plenamente incorporados pelas gerações posteriores e estar em paz com essa realidade de expansão maior que as mulheres tiveram oportunidade de viver é abrir caminho para as gerações futuras poderem ocupar seus novos lugares no mundo.

Criar consciência sobre esse aspecto entre as realidades feminina e masculina também é importante porque refletirá numa convivência mais saudável e igualitária entre os sexos, com menos competições e sensações de derrota quando simbolicamente a própria mulher não se autorizar nos momentos de vida.

Nosso processo de amadurecimento perante a vida envolve atravessar para uma etapa em quem passamos a exercer sozinhas o cuidado e a providência com a gente mesma - o que a figura paterna nos garantia antes. 

Quando pacificamos nossa história de vida com o pai nos autorizamos também a estarmos do nosso próprio lado, cuidamos melhor de nós mesmas e dos nossos projetos e nos sentimos mais confortáveis no caminho do crescimento pessoal.

verbenna yin






sábado, 9 de dezembro de 2017

Tarot e Psicanálise

Meu trabalho terapêutico hoje une uma possível correspondência entre as teorias psicanalíticas mais difundidas (S. Freud, Melanie Klein, Winnicott, W. Reich e J. Lacan) e a simbologia arquetípica contida no sistema dos arcanos maiores do Tarot.

O Tarot é um compêndio de 78 cartas, divididas em 22 arcanos maiores e 58 arcanos menores. Dizem alguns estudiosos do tarot que o compêndio surgiu no antigo Egito, organizado na forma de um jogo para manter o interesse e curiosidade das pessoas - assim, mesmo se eventualmente proibido enquanto jogo, sua utilização resistiria às mudanças culturais ao longo do tempo. Uma solução interessante que leva em conta o conhecimento das características humanas e suas respostas comportamentais esperadas.

Os arcanos maiores são representações simbólicas de atitudes, comportamentos e momentos de vida comuns a todos os indivíduos e seguem uma lógica própria do que seriam, cronologicamente, as etapas de amadurecimento de uma pessoa diante da vida.

Nessa abordagem, o tarot seria um estudo das possibilidades de cada uma dessas etapas, quais as características e os desafios propostos em cada uma dessas fases da experimentação humana e quais comportamentos estariam relacionados a cada um desses momentos. Também indica que essas etapas seriam cumpridas na linha do tempo de todas as pessoas, sendo, portanto, experiências comuns a todos e reconhecíveis por qualquer um.

Sob essa ótica, a compreensão dos arcanos maiores do Tarot enquanto um roteiro das etapas de amadurecimento humano guarda bastante similaridade com a proposta do processo de individuação de C. G. Jung.

O processo de individuação seria um caminho percorrido por cada indivíduo, de forma única e singular, com a finalidade de diferenciar-se dos outros e ao final reconhecer-se completamente em sua essência, percebendo todas as suas reais características e potencialidades – o que lhe permite promover em sua vida as condições para que seus atributos possam ser exercidos com liberdade, espontaneidade e de forma positiva para si mesmo para o grupo a que pertence.

Assim, em última análise, o processo de individuação é positivo também para a criação de uma sociedade mais justa e colaborativa como anos mais tarde teorizou D. Winnicott na sua teoria do amadurecimento pessoal.

Este tema me toca pessoalmente por eu já ter experiência na leitura do Tarot numa abordagem terapêutica, ou seja, utilizando as cartas como forma de retornar o indivíduo a um estado de harmonia interna e pacificação anterior. Porém, ao longo do curso de psicanálise fui percebendo paralelos muito interessantes entre a abordagem terapêutica do Tarot e as diversas teorias psicanalíticas estudadas, em especial o processo de individuação e a sincronicidade.

Apesar de todo o misticismo associado à leitura do Tarot, que poderia gerar uma certa resistência em aceitá-lo como método terapêutico, na minha visão é possível utilizá-lo como uma ferramenta bastante eficiente para acesso ao inconsciente, tanto para manifestar conteúdos latentes do inconsciente do analisando como também para catalisar o conteúdo simbólico dos sonhos e representações da realidade que o analisando trouxer para o setting analítico, pela proximidade dos símbolos individuais com os arquétipos coletivos do Tarot.

Entender melhor as correspondências entre as duas abordagens possibilitaria ao terapeuta e ao analisando, a meu ver, uma objetividade no tratamento dos conteúdos acessados em terapia, pois ao colocar esses conteúdos em perspectiva para o próprio analisando, essa nova maneira de olhar para os próprios conteúdos poderia contribuir positivamente no seu processo analítico.

Tenho notado algumas vezes que ao olhar para uma carta do Tarot o analisando reconhece uma linha de coerência entre determinados símbolos, sua história pessoal e seu momento atual. Como por exemplo, é muito comum que um analisando com questões maternas e fixação oral “escolha” a carta da Sacerdotisa ou da Imperatriz – que, como veremos adiante, são representações simbólicas da relação com o princípio feminino.

Também tenho presenciado analisandos que conseguiram elaborar alguma percepção sobre si mesmos a partir dos desenhos e símbolos contidos na carta escolhida, como se a imagem comunicasse uma ideia a seu próprio respeito e de súbito lhes chegasse uma compreensão inteira que até aquele momento ainda não tinha sido possível.

Numa visão integrativa, assim como é possível selecionar a teoria psicanalítica mais adequada para cada pessoa conforme o quadro apresentado no setting, também me parece possível associar determinadas teorias psicanalíticas a cada um dos arcanos maiores do Tarot e submetê-los à “escolha” do analisando - o que sinalizaria que cada arcano do Tarot contém em si uma representação simbólica de um quadro psíquico e uma possibilidade de encaminhamento terapêutico correspondente e mais adequado.

Dessa forma, apresentar as possíveis relações entre as diversas teorias psicanalíticas e os conhecimentos associados aos símbolos do Tarot me parece bastante pertinente e oportuno. Vivemos num país em que a maior parte da população é muito receptiva às terapias alternativas e cada vez mais surgem novos olhares e desenvolvimentos que permitem dar mais acolhimento e alívio para os sofrimentos humanos.

Por outro lado, uma abordagem integrativa e integradora das diversas teorias psicanalíticas confere ao profissional um maior leque de opções para tratar de cada analisando de forma personalizada, única e singular, mais adequada àquela história de vida e ao seu momento pessoal. Dentre as várias opções, seria possível ao psicanalista lançar mão do Tarot como mais um recurso e adaptar sua terapêutica para cada pessoa que chega no setting buscando alívio para suas dores emocionais.

Se este trabalho possibilitar o uso do Tarot numa abordagem psicanalítica e para fins terapêuticos que reflitam numa melhora das condições do analisando, tudo terá valido a pena!

Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise