Hoje estou aqui refletindo sobre receber o que o outro pode nos dar em dado momento.
Este é um bom desafio no contexto dos relacionamentos afetivos e vez ou outra chegamos nesse tema aqui no consultório. Todos temos nossas expectativas e desejos a serem atendidos num relacionamento, foi pra isso que a gente se dispôs a ficar junto com alguém e esperamos que essa parte nos seja contemplada.
Mas conforme o relacionamento se desenvolve, vamos nos dando conta de que pode haver um descompasso entre dar e receber. Podemos nos sentir num desses momentos em que nos percebemos recebendo menos do que a gente gostaria: recebendo menos carinho, menos elogios, menos apoio, menos reconhecimento, menos tempo...
Descompasso é coisa de música e eu acho que é uma analogia bem interessante aqui. Se o relacionamento afetivo fosse uma canção, cada parte teria sua melodia e seu ritmo próprio que, combinados, resultariam numa música. Mas em alguns momentos podemos perder a atenção e o ritmo, enquanto um se atrasa o outro pode estar adiantando o compasso. Se isso acontece, é evidente o descompasso já que a música vai ficando fora de ritmo e desarmônica.
Quando a gente idealiza receber afeto de volta, essa situação pretendida não tem data certa pra acontecer. Ela pode acontecer hoje, agora, ou pode ser que o nível desejado de troca afetiva só aconteça mesmo após um período de construção e com um certo investimento de esforço.
E durante esse período de construção pode ser que a gente perca o ritmo inicial, esteja desatento e não consiga acompanhar o compasso.
Quando eu tocava em orquestra a gente tinha uma regra que era não deixar a música parar; o que quer que acontecesse, a gente tinha que retomar a linha melódica e dar continuidade. Nas vezes que eu me perdia (eu tocava órgão que a gente usa as duas mãos e os dois pés), ia tocando só com uma mão e parava todo o resto, até que quando chegava o próximo compasso eu reiniciava com todos os movimentos de novo.
Era menos do que eu sabia ser capaz mas naquele momento era o que eu podia fazer, e o grupo era sempre generoso mantendo a música em seu andamento até eu retomar.
E nessa correspondência entre músicas e afetos, eu penso que da mesma forma que se houver canção há como retomar o compasso da música, também nas relações, se houver afeto, pode ser que valha a pena esperar o tempo de um reencontro onde o dar e receber flua novamente nas duas direções.
Afinal a vida imita a arte, não é mesmo?
E para quem perdeu sua música, gosto de pensar que sempre existem novas combinações sonoras que resultam em novas canções. Neste universo tudo tem sua melodia, de pássaros a estrelas
PS: Essa imagem linda é do artista indiano Ram Onkar que é autodidata e tem uma coletânea de pinturas inspiradoras de casais e músicos.
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