Rider-Waite Tarot |
Seguramente o arcano que recebe mais interpretações
inadequadas é este, o Julgamento, pois com essa nomeação remete nossa percepção
ao ambiente bíblico apocalíptico que pressupõe um “fim do mundo” e um “juízo
final" que dão um tom negativo à ideia original do arquétipo.
A carta do julgamento geralmente vem ilustrada com essa
imagem de pessoas ressurgindo, saindo de suas tumbas em resposta ao toque das
trombetas que marcam o início de um novo tempo. Aqui na ilustração tradicional
do Tarot Rider-Waite vemos em primeiro plano um homem, uma mulher e uma criança
despertando da morte ao som da trombeta celeste e recebendo de braços abertos
uma figura angélica que usa um estandarte com forma de cruz na cor vermelha.
Na abordagem Junguiana para o desenvolvimento psicológico
humano, todo o funcionamento da psique é estruturado em aspectos distintos que funcionam como polos (princípio da polaridade) e que
se compensam mutuamente num sistema de autorregulação. Quando se investe mais
energia num determinado aspecto intrapsíquico, indiretamente também se
desenvolve o respectivo aspecto oposto, pois a polaridade atua de forma compensatória na
direção da manutenção do equilíbrio de forças. É assim o balanço energético
entre consciente e inconsciente, persona e sombra, animus e anima, as partes
que compõem a psique na estrutura idealizada por C. J. Jung na psicologia
analítica.
Nesta sugestão de imagem acontece o mesmo, o homem num polo
e a mulher no outro, ambos despertos e receptivos, indica que esta carta fala
de um tempo psicológico onde o indivíduo já realizou essas compensações
psíquicas e hoje encontra-se em equilíbrio e devidamente estruturado.
A criança no centro se relaciona à figura do SELF, a
essência mais pura de cada indivíduo que é mantida escondida no inconsciente e
que levamos toda uma vida para nos encontrarmos com ela. É o SELF que faz as
reorientações íntimas e determina o momento das compensações de forças
psíquicas pois é o centro regulador da psique inteira. Quando conseguimos
entrar em contato com nossa essência mais profunda, estamos diante do nosso
SELF: nosso Eu verdadeiro.
É como teria dito Jesus nos evangelhos: “é necessário nascer
novamente para entrar no reino dos Céus”.
Ao escrever sobre os sonhos e as representações simbólicas
do inconsciente, que refletem nossos estados psíquicos diante da existência, Jung afirma que a visão da criança indica que a pessoa está tomando contato com seus
aspectos mais autênticos e espontâneos, que podem ter ficado inacessíveis
durante tanto tempo que até nos
esquecemos - mas que durante o trabalho terapêutico de autoconhecimento é
possível acessá-los novamente.
Para Jung, no inconsciente esse vislumbre da essência
verdadeira geralmente ocorre com a visão de uma “criança divina”. A criança
simboliza esse retorno ao primordial após ter sido realizada a grande jornada
de complementação dos opostos no jogo de projeções da mente.
As projeções são imagens mentais que traduzem nossas
questões mais íntimas e que ainda não temos condições de enxergar
apropriadamente, seja porque tais conteúdos nos assustam, seja porque ainda não
desenvolvemos a fortaleza necessária para lidar com esses temas. De toda forma,
essas questões “aparecem” de forma distorcida quando nos relacionamos com as
outras pessoas, pois projetamos nelas esses aspectos que são nossos mas ainda são
inconscientes.
Nesse sentido, aquilo que enxergamos nos outros não passa de
um filme projetado, de uma miragem, pois o que vemos nem sempre é o real
daquela pessoa - mas com certeza é realmente nosso.
É preciso ultrapassar esse estágio de projeções para
podermos nos enxergar honestamente e realizar o trabalho interno de integrar
nossos aspectos conscientes e inconscientes, depois de trazermos nossos
conteúdos sombrios à consciência e termos transformado essas memórias em algo
construtivo para nós mesmos. Aí sim é possível retornar à verdadeira origem e
recomeçar a trajetória de vida com a mesma confiança e inocência de uma
criança.
Zen Tarot - Osho |
Essa é a proposta do Tarot Zen inspirado nas lições do guru
indiano Osho. Nesse tarot todas as cartas são apresentadas como posturas
individuais perante a vida e ou retratos de momentos do nosso mundo interno.
Aqui a carta do Julgamento recebeu uma ilustração mais adequada
ao seu simbolismo no nosso tempo, assim como um novo título: “Além da Ilusão”. Se
trata da representação desse estado interno em que não temos mais ilusões a
serem projetadas na realidade externa, estamos além dessa dinâmica e podemos ver com clareza os
nossos aspectos internos sem nos assustarmos com eles nem negarmos sua
existência ou culpar os outros por isso.
A borboleta, símbolo da transformação, indica que já houve essa metamorfose do estado interno e a chama no terceiro olho sugere uma percepção mais refinada que consegue captar uma realidade mais sutil. Os olhos estão fechados pois tudo que vemos com nossos olhos comuns são reflexos nossos, então aqui eles não são mais necessários.
Ao nos aceitarmos completamente como somos e estarmos
dispostos a lidar com a nossa real natureza, experimentamos uma espécie de novo
nascimento pois temos agora uma segunda chance de realizar nosso propósito de vida da
forma mais autêntica possível.
Esse renascimento simbólico significa o retorno às origens
mais puras, onde todo o meu SER se manifesta de maneira harmônica, sem esforço,
honesta e livremente expressando tudo aquilo que sou de verdade. Aqui o estado interno é de seguir o fluxo de eventos que vida propõe, sem amarras nem resistências, sem necessidade de realizar algo para ser beneficiado por seu resultado ou receber reconhecimento por ter feito bem. Renascidos, nos apresentamos à vida dispostos às experimentações que nos chegarem, mantendo uma atitude receptiva e vivificante.
Neste retorno às origens não é preciso mais usar máscaras (as "Personas" de Jung), não há
necessidade de responder mais aos condicionamentos nem buscar a aprovação do
outro para agirmos como queremos ou nos prejudicar para conseguir atender algum desejo.
Tudo já foi pacificado e nossa organização psíquica opera harmonicamente.
É essa harmonização interna que a bandeira da imagem inicial representa.
Nos estudos das mandalas, Jung aponta que a forma de cruz nos desenhos
simboliza a união dos opostos, indicando que a pessoa venceu os conteúdos
internos que seriam projetados nos outros. Agora ela consegue lidar com os
aspectos próprios e também com os dos outros sem se sentir ameaçada, sem
precisar usar mecanismos de defesa nem se incomodar com o que vê refletido no
outro.
Nossas imagens refletidas não nos ameaçam mais pois a atitude agora é a do
observador que a tudo assiste e procura aprender, sem se envolver, além das
ilusões e das projeções da mente.
Dark Tarot |
Nesta outra imagem o conceito principal permanece mas é ilustrado de outra forma, indicando que a mulher e o homem respondem ao chamado da figura
divina que possui uma aréola circular, correspondendo à ideia de que agora
consciente e inconsciente agem em conjunto para atender o SELF simbolizado pelo
círculo.
Na abordagem Junguiana o círculo é o símbolo maior do SELF,
sendo as mandalas sua expressão mais profunda e completa. Na mandala
encontramos a expressão não verbal dos conteúdos do SELF, que conseguem burlar
o filtro da razão e escapar das censuras do consciente.
Quando a terapêutica envolve processos racionais de
elaboração, como fala e escrita, nosso consciente pode impedir que certas
memórias, afetos e emoções se expressem. Nesse caminho podem ainda haver
julgamentos, críticas internalizadas, idealizações e comparações, e tudo isso
junto atua como obstáculo para que o ser verdadeiro se mostre.
Já na mandala esses conteúdos encontram um outro caminho
para se manifestar. Como a mandala é desenhada, esse conjunto organizado de
formas e cores expressa o SELF sem passar pelas aprovações e seleções da mente
consciente. Por isso a mandala é o retrato fiel do estado de ser de cada pessoa
e tem tanta importância no processo terapêutico na abordagem Junguiana.
E isso é que o arcano do Julgamento tenta representar, esse
momento em que houve uma pacificação das forças internas e externas pois nada
mais pode atingir negativamente o indivíduo: as dores, as memórias, as
projeções, as idealizações, a falta de confiança, tudo isso já passou.
Aqui o indivíduo morreu para essas coisas e agora está
renascendo para um novo tempo em que irá atender plenamente o chamado do SELF para realizar aquilo que é seu propósito na existência. Sua vida agora tem sentido.
Quando estamos integrados ao nosso SELF conseguimos nos
mover pela vida de forma mais fluida e seguimos pelo fluxo dos eventos sem inseguranças. Procuramos expressar
com nossas atitudes quotidianas aquilo em que acreditamos, então passamos a
fazer escolhas que nos contemplam melhor. Pode ser o tipo de alimentação, a
forma de se vestir, o trabalho que realmente faça bem a si mesmo e ao outro, a
atitude colaborativa, a receptividade com o outro, enfim, tudo que confirme externamente aquilo que já existe do lado de dentro.
Aqui a direção da energia é de dentro para fora, o ser manifesta com segurança no mundo externo aquilo que existe no seu interior - numa orientação contrária àquela que atende às necessidades do Ego, pois o Ego precisa do reconhecimento externo para confirmar o que acredita haver no interno.
No fluxo do Ego as confirmações do reconhecimento externo são frágeis pois tudo que vem do externo é projetado, logo, não é real. Mas no fluxo do SELF a nossa expressão é verdadeiramente real pois manifesta externamente o que existe no mais íntimo e profundo da alma humana.
São tantas formas de manifestarmos no mundo nosso potencial, mas
que agora acontecem sem necessidade de reconhecimentos externos nem na base da
barganha, e cada uma de nossas pequenas ações serão agora resultados dessa orientação pelo SELF - que
vai aos poucos se manifestando de dentro pra fora. Nossa essência finalmente emerge.
Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise