domingo, 7 de maio de 2017

A Lua

Verbenna Yin A Lua Marseille
E então chegamos no arcano XVIII, a Lua: a Senhora que reina absoluta na noite, dona das águas e das marés, que comanda a direção das emoções, o final da infância das mulheres, a duração das gestações e a chegada das almas neste mundo.

Na carta vemos a lua altiva entre duas torres e um crustáceo querendo sair da água e percorrer o caminho até o horizonte. O caminho é guardado por um cão e um lobo, mas ambos estão hipnotizados pela Lua que manda seus raios em forma de gotas na noite escura.

As duas torres ao fundo representam o Ego e mostram que o consciente aqui fica ao longe, este não é o lugar de racionalizações. Aqui o território é das águas profundas do inconsciente, o território das emoções, na imensidão escura e sombria onde moram os desejos, as dores e os medos guardados por toda uma vida.

Nesse território noturno e cheio de sombras a visão tem pouco valor, porque não é pelo raciocínio que vamos perceber esse ambiente. É pelo sentir que adentramos o território da Lua, toda a comunicação com esse reino acontece no corpo físico e a partir das emoções.

Um mito que eu gosto muito e que está associado a esse arcano é a lenda da descida da deusa suméria Inanna (ou Ishtar) aos reinos do submundo de sua irmã Ereshkigal – que era grande, assustadora, devorava tudo pela frente e cheirava mal.

Inanna é levada para esse reino, é deixada sozinha e precisa atravessar 7 portais. Em cada um deles deve se despir de seus ornamentos de deusa e de seus 7 véus. Quando Inanna já nua finalmente se encontra com a irmã, Ereshkigal não a recebe. Ao contrário, ataca Inanna lançando sobre ela sentimentos de ódio e culpa que acabam por matá-la sufocada. Somente depois de 3 dias morta nos reinos escuros do submundo, Inanna retorna à vida guiada por dois serviçais de sua casa natal.

O ponto é que para conhecer os mistérios do arcano da Lua é preciso essa entrega total ao inconsciente, desarmar-se dos mecanismos de defesa e despir-se da autocrítica, da socialização e de qualquer educação. No território da Lua as emoções são brutais.

Entrar em contato com as forças brutas do inconsciente não é uma tarefa agradável, esses conteúdos ficaram guardados no escuro por muito tempo e “cheiram mal”. Perceber-se nesse lugar causa muita confusão e medo, as imagens não são nítidas e a linguagem aqui não é mais a lógica racional. É preciso viajar pelas representações de realidade que vêm das memórias.

Não raro, quando vivemos a situação simbolizada pela Lua estamos atravessando um período de confronto com situações do passado guardadas por muito tempo, situações que não foram bem elaboradas e que muitas vezes nem lembramos mais, guardamos no cantinho escuro da memória e para evitar nos machucar não mexemos mais ali. Mas essas memórias antigas estão vivas e não olhar pra elas nos sufoca, talvez até mesmo fisicamente causando síndromes de pânico e ansiedade.

Verbenna Yin A Lua Artemis
Os desconfortos físicos aparecem porque não temos clareza do que se tratam esses conteúdos, ainda não conseguimos decodificar essas memórias e algo em nosso dia a dia pode funcionar como gatilho para o inconsciente associar então o que vivemos hoje com essa representação do passado. Nossas sombras se apoderaram de nós.

Sem poder ver com nitidez, andamos no escuro e isso aflora nossos medos, os espinhos e as pedras nos machucam. Por isso sentimos dores, aquelas dores sem explicação, as dores que caminham pelo corpo, as fibromialgias.

Segundo Jung, nosso mundo interno é composto por uma região consciente que contém conhecimentos e lembranças que podemos acessar facilmente, e por uma região inconsciente que concentra aspectos de nós ainda não reconhecidos e, por isso, não desenvolvidos: a nossa sombra.

É nas sombras do inconsciente que estão localizadas essas forças que não puderam ser expressadas quando certos eventos aconteceram: um talento que a família não apoiou, aquele jeito de ser inadequado, a culpa pelo desejo que era pecado, a raiva de ter sofrido violência, a dor do filho que não veio, o acidente que me levou pra longe de onde eu queria ir...

Mas a vida não para e seguimos em frente negando os efeitos desses acontecimentos em nós, sem aceitar essas partes de nós porque julgamos que são erradas, imorais, feias, doloridas. Essas partes de nós “cheiram mal” e vão nos devorando pouco a pouco.

Enquanto estivermos na negação de nós mesmos vamos andando em círculos e sem sair do lugar, com a cabeça baixa e reabrindo as feridas sem perceber. Sem olhar para a Lua e sua claridade, vamos ficando isolados e presos na noite escura, nas depressões e nas esquizofrenias.

E assim vamos tocando a vida querendo acreditar que está tudo bem e que vamos conseguir viver em paz sem sentir falta dessas partes de nós que ficaram perdidas pelo caminho. Isso é apenas a mente e nossos mecanismos de defesa tentando impedir nosso crescimento, ainda queremos ser cuidados.

Tudo que está lá na escuridão do inconsciente é a nossa mais pura energia vital que foi aprisionada, é de lá que deveria vir a nossa “bateria” para a vida e crescimento, nossa força propulsora de criação e todo potencial de realização no mundo físico. Evitar o contato com a Lua é perder nossa energia de vida porque interrompemos o fluxo criativo que nos alimenta dia a dia, é ficar sem a nutrição psíquica que vai nos levar à real maturidade.

Quando passamos os anos fugindo do nosso passado e negando partes de nós ficamos desvitalizados e sem poder realizar nossos planos no mundo, nossos planos vão dando errado um após o outro porque não temos recursos para mantê-los vivos e florescerem. É o “efeito Sombra”.

Até o dia em que chega a iniciação da Lua e não podemos mais escapar desse reencontro. É nesse momento que a linda e perfeita deusa Inanna morre, atacada pelo ódio e pela culpa sufocantes. Essa morte simbólica acontece quando essas emoções tóxicas guardadas por tanto tempo conseguem vir à tona numa catarse do corpo que vai mostrar para o consciente nossa imagem real e o que o passado nos tornou. Os processos físicos de dores e falta de ar são essas catarses, o arcano da Lua vem pelo corpo.

Verbenna Yin A Lua Inanna
Quando finalmente nos entregamos para a experiência proposta pela Lua a nossa atitude deve ser como o princípio feminino que ela representa: a mais profunda aceitação.

Aceitar nossa história com tudo que nos aconteceu e ainda dizer sim a nós mesmos são a chave que este lindo arcano nos propõe.

Da mesma forma que no mito são os serviçais da casa de seu pai que fazem Inanna voltar à vida, dizer sim a tudo que recebemos de nossa ancestralidade, coisas boas e ruins, entendendo esse passado, perdoando sinceramente o que nos fizeram e nos perdoando por não poder fazer diferente, aceitando que tudo aquilo nos fez ser quem somos, damos um grande passo para recuperar nossa integridade.

A integridade acontece quando podemos colocar todos os eventos na nossa linha do tempo, sem negar nem esconder nenhum deles por mais doloridos e difíceis que tenham sido. Tudo fez parte da caminhada e nos levou ao lugar que ocupamos hoje no mundo, de forma que honrar esse percurso é voltar a ficar em paz com tudo o que vivemos.

A carta da Lua simboliza essa aceitação para que a integridade se restabeleça trazendo a cura para nosso passado. Sim, doeu, doeu muito, mas é o momento de nos curarmos disso permitindo que essas energias guardadas se expressem, chorando todas essas dores e emoções até que elas atravessem o nosso corpo e passem "para fora" para ficarmos livres de suas correntes, permitindo que esse tecido desinflame e cicatrize.

Passamos pela noite escura da alma mas a aurora de um novo dia está chegando. Ao estarmos íntegros, restabelecemos o fluxo de energia de vida para todas as partes de nós e abrimos caminho para experimentar o arcano seguinte: O Sol.

Não é a toa que o arquétipo da totalidade é o círculo, da mesma forma que a lua é circular a busca pela integridade faz seu caminho na perfeita união de todas as nossas partes. O próprio Jung indicava o trabalho com mandalas para que seus pacientes pudessem se reorganizar psiquicamente ao lidarem com suas histórias de vida, denotando o poder desse símbolo.

mandala Jung Verbenna Yin Tarot a Lua

Quando a carta da Lua aparece numa leitura é sinal de que aquele é um tempo para dar atenção aos sonhos, insights e flashes de memória que estiverem aparecendo pois são conteúdos do inconsciente que estão prontos para serem reconhecidos e elaborados. Talvez um trabalho de regressão de memórias ajude a colocar tudo em seu lugar.

Também indica um tempo de aprendizados muito importantes e finalizações de ciclos, onde o perdão e a aceitação precisam ser vividos de verdade para restabelecer uma harmonia com a nossa história e nossa ancestralidade, nos preparando para um novo momento de vida.

Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise

Um comentário:

  1. Muito obrigada por passar este conhecimento. Estudo tarot e percebi uma forte correspondência entre essa carta, eu e a minha mãe - ambas nascidas no dia 18.

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