segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Quando o pai é o limite

verbenna yin

Eu atendo muitas mulheres na faixa dos 30-40 anos que tiveram uma ótima educação, foram incentivadas a estudar e trabalhar pelos seus pais e são de uma geração que viu a mulher ingressar no mercado de trabalho e batalhar por independência e igualdade.

Essa é uma geração que se destacou positivamente no sentido de ir além do que todas as mulheres daquela linhagem conseguiram. Geralmente concluíram uma formação superior que não fosse na área de cuidado com crianças e são profissionais com um bom desenvolvimento de carreira e reconhecimento nas suas ações profissionais.

E é aí mesmo que a expansão na vida para e elas sentem uma dificuldade enorme de prosseguir no desenvolvimento das suas carreiras. Há um ponto em que as coisas não fluem mais, começam a aparecer dívidas que não se pagam mesmo com todo o dinheiro que ganham, começam novos projetos que não dão continuidade, estão sem tempo para o prazer e se sentem cada vez mais comprometidas com resultados que simplesmente não acontecem.

O que deu errado?

Para além da questão do impacto do machismo que culturalmente se impõe nesse cenário do desenvolvimento profissional das mulheres, existe uma questão pessoal importante que na minha opinião precisa muito ser revisitada pelas mulheres.

É a figura paterna e sua simbologia no sistema da família.

Nos meus atendimentos, quando eu percebo que a história daquela mulher tem essa tônica, eu geralmente pergunto:

“Você hoje considera que é maior do que o seu pai?”

E geralmente a resposta é: “Não, imagina, meu pai é a maior referência para mim, é meu porto seguro, ele é insubstituível, eu quero ser como ele um dia ainda” e tantas outras coisas que permeiam essa simbologia sobre a figura paterna. E como filhas me contam como os pais as salvaram em várias situações, reais e simbólicas, como eles as orientaram em momentos de dúvida e fizeram essa função de prover o sustento e garantir a própria existência delas.

Por outro lado, é fato que essas mulheres foram sim além do que seus pais puderam ir, talvez tenham tido mesmo mais oportunidades que eles, tiveram uma educação privilegiada e viveram um momento histórico de maior abertura para a mulher na participação em sociedade, o que lhes permitiu caminhar mais longe de verdade.

Mas ir “tão longe” pode ser tornar um conflito interno para essa mulher quando a imagem mental do pai foi essa imagem da pessoa mais grandiosa possível. Pois como seria possível ser maior do que aquele que admiramos e é nossa referência interna de crescimento e exercício do poder?

verbenna yin
O pai é o limite.
  
Muitas vezes as mulheres ficam presas numa lealdade invisível a essa figura paterna e não se autorizam a conquistar mais do que a figura paterna conseguiu, e assim vão criando um looping infinito de sabotadores internos que justificam falha ante falha para que o crescimento profissional fique estancado num lugar que as mantenha na condição de filhas – dependentes.

Claro que essa dependência não é consciente, e às vezes nem fica de fato vinculada ao pai, a dependência pode se deslocar para outras figuras como o marido, o companheiro/a, ou até mesmo a mãe se essa mãe fez a função paterna naquela dinâmica familiar.

E outras vezes a figura paterna também é superestimada porque a leitura que essa filha faz do seu pai é ainda aquela com os olhos da infância, que não percebe as falhas e as imperfeições daquele ser humano e nega qualquer aspecto nessa figura paterna que não seja o da perfeição.

Quando essa situação aparece aqui nos meus atendimentos eu faço questão de colocar essa hipótese para a mulher pensar a respeito. Geralmente elas não gostam da minha provocação, mas depois de uns dias me procuram de volta e dizem que ficaram muito incomodadas porque essa pergunta não saiu do pensamento delas. E no fim acabam confirmando que fazia sentido com suas histórias pessoais mas que nunca tinham percebido isso antes.

E quando essa percepção acontece é muito bacana pensar que o pai é alguém que nos ama e quer ver nosso crescimento constante sim, que o pai pode ser como uma grande árvore - que cresceu e frutificou e por isso pôde criar uma semente que um dia também se tornará uma grande árvore e assim permitirá a continuidade de toda uma floresta. E quando retiramos do ambiente as ameaças ao pleno desenvolvimento dessa semente, é muito provável que essa semente viceje mais forte e cresça mais ainda fortalecendo a floresta toda - aqui fazendo uma analogia com o fato da filha ter tido melhores oportunidades de crescimento.

Honrar a nossa figura paterna é também uma maneira de pacificar essa questão internamente, reconhecendo que aquele homem caminhou até o limite de suas possibilidades e recebendo com gratidão todos os esforços que ele fez por nós, filhas.

Mas isso não nos impede de olhar para a trajetória deles, como adultas, e perceber respeitosamente que nós filhas vivemos outra realidade hoje e temos outras oportunidades que nossos talentos e competências nos permitem - e assim nos diferenciarmos deles e construirmos nossas próprias histórias e conquistas.

É um grande tabu, eu sei. Mas também percebo que existem gerações que fazem saltos que serão plenamente incorporados pelas gerações posteriores e estar em paz com essa realidade de expansão maior que as mulheres tiveram oportunidade de viver é abrir caminho para as gerações futuras poderem ocupar seus novos lugares no mundo.

Criar consciência sobre esse aspecto entre as realidades feminina e masculina também é importante porque refletirá numa convivência mais saudável e igualitária entre os sexos, com menos competições e sensações de derrota quando simbolicamente a própria mulher não se autorizar nos momentos de vida.

Nosso processo de amadurecimento perante a vida envolve atravessar para uma etapa em quem passamos a exercer sozinhas o cuidado e a providência com a gente mesma - o que a figura paterna nos garantia antes. 

Quando pacificamos nossa história de vida com o pai nos autorizamos também a estarmos do nosso próprio lado, cuidamos melhor de nós mesmas e dos nossos projetos e nos sentimos mais confortáveis no caminho do crescimento pessoal.

verbenna yin






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