Eu atendo muitas mulheres na faixa dos 30-40 anos que
tiveram uma ótima educação, foram incentivadas a estudar e trabalhar pelos seus
pais e são de uma geração que viu a mulher ingressar no mercado de trabalho e
batalhar por independência e igualdade.
Essa é uma geração que se destacou positivamente no sentido
de ir além do que todas as mulheres daquela linhagem conseguiram. Geralmente
concluíram uma formação superior que não fosse na área de cuidado com crianças
e são profissionais com um bom desenvolvimento de carreira e reconhecimento nas
suas ações profissionais.
E é aí mesmo que a expansão na vida para e elas sentem uma
dificuldade enorme de prosseguir no desenvolvimento das suas carreiras. Há um
ponto em que as coisas não fluem mais, começam a aparecer dívidas que não se
pagam mesmo com todo o dinheiro que ganham, começam novos projetos que não dão
continuidade, estão sem tempo para o prazer e se sentem cada vez mais
comprometidas com resultados que simplesmente não acontecem.
O que deu errado?
Para além da questão do impacto do machismo que
culturalmente se impõe nesse cenário do desenvolvimento profissional das
mulheres, existe uma questão pessoal importante que na minha opinião precisa
muito ser revisitada pelas mulheres.
É a figura paterna e sua simbologia no sistema da família.
Nos meus atendimentos, quando eu percebo que a história
daquela mulher tem essa tônica, eu geralmente pergunto:
“Você hoje considera que é maior do que o seu pai?”
E geralmente a resposta é: “Não, imagina, meu pai é a maior
referência para mim, é meu porto seguro, ele é insubstituível, eu quero ser
como ele um dia ainda” e tantas outras coisas que permeiam essa simbologia sobre a figura paterna. E como filhas me contam como os pais as salvaram em várias situações,
reais e simbólicas, como eles as orientaram em momentos de dúvida e fizeram
essa função de prover o sustento e garantir a própria existência delas.
Por outro lado, é fato que essas mulheres foram sim além do
que seus pais puderam ir, talvez tenham tido mesmo mais oportunidades que eles,
tiveram uma educação privilegiada e viveram um momento histórico de maior abertura para a mulher na participação em sociedade, o que lhes permitiu caminhar mais longe de verdade.
Mas ir “tão longe” pode ser tornar um conflito interno para essa mulher quando a imagem mental do pai foi essa imagem da pessoa mais grandiosa
possível. Pois como seria possível ser maior do que aquele que admiramos e é
nossa referência interna de crescimento e exercício do poder?
O pai é o limite.
Muitas vezes as mulheres ficam presas numa lealdade
invisível a essa figura paterna e não se autorizam a conquistar mais do que a
figura paterna conseguiu, e assim vão criando um looping infinito de
sabotadores internos que justificam falha ante falha para que o crescimento
profissional fique estancado num lugar que as mantenha na condição de filhas –
dependentes.
Claro que essa dependência não é consciente, e às vezes nem
fica de fato vinculada ao pai, a dependência pode se deslocar para outras
figuras como o marido, o companheiro/a, ou até mesmo a mãe se essa mãe fez a
função paterna naquela dinâmica familiar.
E outras vezes a figura paterna também é superestimada porque a leitura que essa filha faz do seu pai é ainda aquela com os olhos da infância, que não percebe as falhas e as imperfeições daquele ser humano e nega qualquer aspecto nessa figura paterna que não seja o da perfeição.
Quando essa situação aparece aqui nos meus atendimentos eu
faço questão de colocar essa hipótese para a mulher pensar a respeito.
Geralmente elas não gostam da minha provocação, mas depois de uns dias me
procuram de volta e dizem que ficaram muito incomodadas porque essa pergunta não
saiu do pensamento delas. E no fim acabam confirmando que fazia sentido com
suas histórias pessoais mas que nunca tinham percebido isso antes.
E quando essa percepção acontece é muito bacana pensar que o
pai é alguém que nos ama e quer ver nosso crescimento constante sim, que o pai
pode ser como uma grande árvore - que cresceu e frutificou e por isso pôde
criar uma semente que um dia também se tornará uma grande árvore e assim
permitirá a continuidade de toda uma floresta. E quando retiramos do ambiente as ameaças ao pleno desenvolvimento dessa semente, é muito provável que essa semente viceje mais
forte e cresça mais ainda fortalecendo a floresta toda - aqui fazendo uma analogia com o fato da filha ter tido melhores oportunidades de crescimento.
Honrar a nossa figura paterna é também uma maneira de
pacificar essa questão internamente, reconhecendo que aquele homem caminhou até
o limite de suas possibilidades e recebendo com gratidão todos os esforços que
ele fez por nós, filhas.
Mas isso não nos impede de olhar para a trajetória deles,
como adultas, e perceber respeitosamente que nós filhas vivemos outra realidade
hoje e temos outras oportunidades que nossos talentos e competências nos
permitem - e assim nos diferenciarmos deles e construirmos nossas próprias
histórias e conquistas.
É um grande tabu, eu sei. Mas também percebo que existem
gerações que fazem saltos que serão plenamente incorporados pelas gerações
posteriores e estar em paz com essa realidade de expansão maior que as mulheres
tiveram oportunidade de viver é abrir caminho para as gerações futuras poderem
ocupar seus novos lugares no mundo.
Criar consciência sobre esse aspecto entre as realidades
feminina e masculina também é importante porque refletirá numa convivência mais
saudável e igualitária entre os sexos, com menos competições e sensações de
derrota quando simbolicamente a própria mulher não se autorizar nos momentos de
vida.
Nosso processo de amadurecimento perante a vida envolve atravessar para uma etapa em quem passamos a exercer sozinhas o cuidado e a providência com a gente mesma - o que a figura paterna nos garantia antes.
Quando pacificamos nossa história de vida com o pai nos autorizamos também a estarmos do nosso próprio lado, cuidamos melhor de nós mesmas e dos nossos projetos e nos sentimos mais confortáveis no caminho do crescimento pessoal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário