Meu trabalho terapêutico hoje une uma possível
correspondência entre as teorias psicanalíticas mais difundidas (S. Freud,
Melanie Klein, Winnicott, W. Reich e J. Lacan) e a simbologia arquetípica
contida no sistema dos arcanos maiores do Tarot.
O Tarot é um compêndio de 78
cartas, divididas em 22 arcanos maiores e 58 arcanos menores. Dizem alguns estudiosos do tarot que o compêndio surgiu no antigo Egito, organizado na forma de um jogo para manter o interesse e curiosidade das pessoas - assim, mesmo se eventualmente proibido enquanto jogo, sua utilização resistiria às mudanças culturais ao longo do tempo. Uma solução interessante que leva em conta o conhecimento das características humanas e suas respostas comportamentais esperadas.
Os arcanos
maiores são representações simbólicas de atitudes, comportamentos e momentos de
vida comuns a todos os indivíduos e seguem uma lógica própria do que seriam,
cronologicamente, as etapas de amadurecimento de uma pessoa diante da vida.
Nessa abordagem, o tarot seria um
estudo das possibilidades de cada uma dessas etapas, quais as características e
os desafios propostos em cada uma dessas fases da experimentação humana e quais
comportamentos estariam relacionados a cada um desses momentos. Também indica
que essas etapas seriam cumpridas na linha do tempo de todas as pessoas, sendo,
portanto, experiências comuns a todos e reconhecíveis por qualquer um.
Sob essa ótica, a compreensão dos
arcanos maiores do Tarot enquanto um roteiro das etapas de amadurecimento
humano guarda bastante similaridade com a proposta do processo de individuação
de C. G. Jung.
O processo de individuação seria um
caminho percorrido por cada indivíduo, de forma única e singular, com a
finalidade de diferenciar-se dos outros e ao final reconhecer-se completamente
em sua essência, percebendo todas as suas reais características e
potencialidades – o que lhe permite promover em sua vida as condições para que
seus atributos possam ser exercidos com liberdade, espontaneidade e de forma
positiva para si mesmo para o grupo a que pertence.
Assim, em última análise, o
processo de individuação é positivo também para a criação de uma sociedade mais
justa e colaborativa como anos mais tarde teorizou D. Winnicott na sua teoria
do amadurecimento pessoal.
Este tema me toca pessoalmente por
eu já ter experiência na leitura do Tarot numa abordagem terapêutica, ou seja,
utilizando as cartas como forma de retornar o indivíduo a um estado de harmonia
interna e pacificação anterior. Porém, ao longo do curso de psicanálise fui
percebendo paralelos muito interessantes entre a abordagem terapêutica do Tarot
e as diversas teorias psicanalíticas estudadas, em especial o processo de
individuação e a sincronicidade.
Apesar de todo o misticismo
associado à leitura do Tarot, que poderia gerar uma certa resistência em
aceitá-lo como método terapêutico, na minha visão é possível utilizá-lo como
uma ferramenta bastante eficiente para acesso ao inconsciente, tanto para
manifestar conteúdos latentes do inconsciente do analisando como também para
catalisar o conteúdo simbólico dos sonhos e representações da realidade que o
analisando trouxer para o setting analítico, pela proximidade dos símbolos
individuais com os arquétipos coletivos do Tarot.
Entender melhor as correspondências
entre as duas abordagens possibilitaria ao terapeuta e ao analisando, a meu
ver, uma objetividade no tratamento dos conteúdos acessados em terapia, pois ao
colocar esses conteúdos em perspectiva para o próprio analisando, essa nova
maneira de olhar para os próprios conteúdos poderia contribuir positivamente no
seu processo analítico.
Tenho notado algumas vezes que ao
olhar para uma carta do Tarot o analisando reconhece uma linha de coerência
entre determinados símbolos, sua história pessoal e seu momento atual. Como por
exemplo, é muito comum que um analisando com questões maternas e fixação oral
“escolha” a carta da Sacerdotisa ou da Imperatriz – que, como veremos adiante,
são representações simbólicas da relação com o princípio feminino.
Também tenho presenciado
analisandos que conseguiram elaborar alguma percepção sobre si mesmos a partir
dos desenhos e símbolos contidos na carta escolhida, como se a imagem
comunicasse uma ideia a seu próprio respeito e de súbito lhes chegasse uma
compreensão inteira que até aquele momento ainda não tinha sido possível.
Numa visão integrativa, assim como
é possível selecionar a teoria psicanalítica mais adequada para cada pessoa
conforme o quadro apresentado no setting, também me parece possível associar
determinadas teorias psicanalíticas a cada um dos arcanos maiores do Tarot e
submetê-los à “escolha” do analisando - o que sinalizaria que cada arcano do
Tarot contém em si uma representação simbólica de um quadro psíquico e uma
possibilidade de encaminhamento terapêutico correspondente e mais adequado.
Dessa forma, apresentar as
possíveis relações entre as diversas teorias psicanalíticas e os conhecimentos
associados aos símbolos do Tarot me parece bastante pertinente e oportuno.
Vivemos num país em que a maior parte da população é muito receptiva às
terapias alternativas e cada vez mais surgem novos olhares e desenvolvimentos
que permitem dar mais acolhimento e alívio para os sofrimentos humanos.
Por
outro lado, uma abordagem integrativa e integradora das diversas teorias
psicanalíticas confere ao profissional um maior leque de opções para tratar de
cada analisando de forma personalizada, única e singular, mais adequada àquela
história de vida e ao seu momento pessoal. Dentre as várias opções, seria
possível ao psicanalista lançar mão do Tarot como mais um recurso e adaptar sua
terapêutica para cada pessoa que chega no setting buscando alívio para suas
dores emocionais.
Se este trabalho possibilitar o
uso do Tarot numa abordagem psicanalítica e para fins terapêuticos que reflitam
numa melhora das condições do analisando, tudo terá valido a pena!
Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise