quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Dia dos mortos


Hoje é 2 de Novembro, dia de Finados aqui no Brasil. Feriado. Um dia separado no calendário para pararmos o que estamos fazendo e nos lembrarmos daquelas pessoas que se foram, de lamentarmos suas ausências, de visitar túmulos e ficar na nostalgia de um tempo que é impossível voltar.

Esse dia sempre me incomodou, achava tétrica essa coisa de visitar um cemitério e ficar lá lamentando a morte de alguém. As imagens associadas a esse dia também são péssimas, de pessoas cabisbaixas, flores murchas, tons escuros e sombreados. Mas no fundo mesmo o que me incomodava era esse olhar negativo que se cultiva, talvez sem nos darmos conta, de prestar atenção apenas na falta que a pessoa falecida nos faz. A tristeza coletiva é tanta que geralmente chove nessa data.


Acho que esse olhar da falta fala muito mais de nós, os vivos, que aprendemos uma percepção da vida focando nas coisas que nos faltam. Lamentando pelo que não podemos ter. Talvez o ato de lamentar nos conecte com uma falta maior, primordial e primitiva, anterior até ás nossas memórias de infância. Aquele vazio em nós que é intolerável e que buscamos preencher a todo custo: falamos demais, comemos demais, compramos demais, corremos demais... o quanto nos custa preencher esse vazio da nossa singularidade.

Por outro lado, pode ser um contraponto positivo incorporar o olhar das culturas mais antigas que tradicionalmente, sobre o tema dos “mortos”, celebra a vida dessas pessoas que já partiram com festas, cantos e comidinhas.

Sim, celebrar, uma palavra por si só positiva. Diferente de lamentar a partida, celebrar o tempo de permanência daquela pessoa, valorizar as trocas que nos foram possíveis fazer com ela e os momentos que passaram juntos me parece enriquecedor justamente por vivificar em nós aquela nossa parte humana que conectou com aquele que partiu.

Encontrar esse elo humano nas nossas relações é uma bela poesia de quanta beleza a vida pode nos proporcionar com a convivência, a co-vivência. Quando conectamos com essa parte, da pessoa querida, que um dia nos tocou, é como se voltássemos na linha do tempo e mais uma vez aquela centelha de luz divina que havia nela por um momento se acendesse novamente. O tempo é relativo, já disse o físico.

Hoje não me incomodam mais as representações deste dia com as tradicionais “caveirinhas mexicanas”. Antes sim, caveiras me pareciam fúnebres demais, porque eu também tinha esse olhar de quem lamenta e as caveiras eram assustadoras representações da falta.

Para além das modinhas, entendo o real sentido das culturas antigas que guardavam os crânios de cristal na intenção de honrar o que poderia representar a concentração de tudo que subsistiu em uma pessoa. Como se o crânio fosse a cristalização daquelas experimentações dela ao longo da vida, seus aprendizados, exemplos e evoluções, e contivesse também as memórias dos  momentos compartilhados conosco.


Para este dia minha intenção é celebrar esses elos que consigo enxergar nas histórias e momentos que compartilhei com quem já prosseguiu para outros planos, honrando as conexões que pudemos vivenciar e levando dentro de mim a riqueza do que pudemos sentir juntos, para além do tempo. 

Pra mim é um dia especial para olhar pra mim mesma e honrar tudo que levo vivo dentro de mim, me dando conta do quanto sou resultado dessas conexões amorosas que me foram possíveis. Dia de praticar a afirmação "Mitakuye oiasin", que quer dizer "por todas as minhas relações".


terça-feira, 31 de outubro de 2017

Beltane, Dia das Bruxas e outras cositas más



Hoje é uma data bem interessante aqui no hemisfério sul, comemoramos o Halloween ou "dia das bruxas" junto com as tradicionais festas pagãs do hemisfério norte.

Eu acho interessante porque aqui no sul temos o costume de incorporar as referências de outras culturas, e com o Halloween não foi diferente. Adotamos por aqui uma festa que comemora a época do ano em que o frio e as noites mais escuras pedem o aporte do fogo para iluminar e aquecer.

Jack o' Lantern é aquela abóbora transformada em lanterna, numa brincadeira divertida entre o medo do escuro e o aspecto lúdico de uma festa que procura vencer a escuridão do tempo do inverno que chega no hemisfério norte.

Mas e aqui no hemisfério sul, isso não fica deslocado do nosso calendário?

Fica! Não faz sentido a gente comemorar as lanternas de abóbora e pensar nas coisas que nos dão medo (bruxas, esqueletos e afins) e que estão associadas à falta de iluminação quando estamos justamente caminhando para o verão né?

Por isso aqui no hemisfério sul a gente inverte a roda das estações e com isso inverte também as celebrações das épocas do ano.

Aqui no hemisfério sul é Beltane, a época do ano para celebrar a união do princípio feminino e masculino na natureza. Porque aqui no sul a estação do ano é a Primavera, um tempo de maior iluminação natural do Sol em que os dias vão aumentando sua duração em relação às noites até chegarmos no solstício de verão.

Beltane é a celebração do equilíbrio das energias, das polaridades negativas e positivas da natureza. Não no sentido de bem e mal, mas no sentido de expansão (polaridade positiva) e receptividade (polaridade negativa). Com o equilíbrio entre o elemento fogo - que é a semente de toda vida e sustenta o princípio masculino - e a água, que é o berço gerador e sustenta e o princípio feminino, é possível acontecer a fertilização de uma nova vida.



Assim é a representação simbólica de Beltane, a relação sexual entre homem e mulher, numa alusão ao poder que surge quando os princípios feminino e masculino estão perfeitamente integrados: o poder de criar uma nova vida.

E os povos antigos, que eram mais conectados com a natureza e tinha uma observação mais cuidadosa do tempo, celebravam esses momentos do ano porque entendiam que esses padrões da natureza ocorrem no maior e também no menor, no macrocosmo e no microcosmo. Celebrando, não se esqueciam desse ensinamento.

E assim como acontece na natureza acontece também dentro de nós, quando permitimos a união das energias feminina e masculina e equilibramos essas forças, nossa vida se abre para novas possibilidades gerando frutos que podem nos trazer muita alegria e realização.

Todos nós temos o princípio feminino e masculino em ação dentro de nós. Quando precisamos de mais força física e iniciativa estamos colocando em ação o princípio masculino, e quando buscamos um momento de maior introspecção e sensibilidade estamos deixando fluir o princípio feminino. Ambas energias coexistem em nós e podemos dar maior vazão ora para uma ora para outra, mas precisamos do alinhamento entre elas para que aconteça um fluxo saudável desses impulsos da natureza em nós.

Na roda xamânica estamos hoje na direção Leste, a direção da Primavera e do elemento fogo que evoca em nós a iluminação espiritual, a força e a coragem para empreender nossos sonhos. Mas seguindo a roda estamos justamente caminhando para a direção Sul, a direção do Verão e do elemento água, que representa as nossas emoções e o tempo de trabalhar os sentimentos. 

Então também por esse sistema, estamos numa data intermediária entre a estação do fogo e a estação da água, mais uma vez o princípio masculino e o princípio feminino se mesclando para se manifestar dessa mesma forma na natureza. Com a primavera vieram as floras, e no verão chegarão os frutos.

Numa grande poesia energética, de hoje 31/10 até o dia 02/11 teremos um período muito rico para nos conectarmos com esse padrão da natureza e mentalizarmos tudo aquilo que queremos que frutifique na nossa vida também. Este período é ideal para fazermos visualizações criativas do futuro que queremos que aconteça pra nós, porque fogo é energia!

Pra quem estiver nessa harmonia com os ciclos da natureza a dica é trazer o elemento fogo para o seu dia: acenda velas pela casa, cozinhe, faça uma fogueira e mentalize seus pedidos diretamente nas chamas. 

Quando mentalizamos nossos desejos e colocamos as nossas intenções dessa forma, assim como o Sol vai ficando cada vez mais presente até a chegada do verão, seu pensamento também vai ganhando mais e mais energia até se concretizar no mundo físico também.



Lembrando que bruxa é aquela mulher sábia, que já viveu muito, já observou muita coisa e aprendeu um tanto também. Se hoje é o dia das bruxas, que tal colocar em prática todo esse conhecimento?

Foram muitas pessoas que, antes de nós, observaram esse padrão e encontraram uma forma de perpetuar no tempo toda a riqueza desses ensinamentos. Eu acho incrível a gente poder não só valorizar esses ensinos mas também crescer individualmente com eles.


Não perca a carona de Beltane!


quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Deus é Pai – que pai é esse?



Todo mundo já ouviu essa expressão popular que equipara Deus aos atributos que corresponderiam a uma figura paterna: cuidadora, amorosa e provedora.

Quando alguma situação da vida dá certo, a gente diz “Deus é Pai” porque assume que foi a interferência dele que conduziu àquele desfecho favorável né? Ou então se a situação é difícil, depositamos nossa confiança numa possível resolução positiva e “pedimos a Deus” para que tudo corra bem, afinal, Deus é Pai e vai nos proteger do mal.

Ainda tem aquela variante que afirma que “Deus é Pai, não é Padrasto” reafirmando que é o pai quem nos ama de verdade e que por isso sua interferência é o melhor para nós, sua interferência não só é benéfica mas vem carregada de algo especial que é o sentimento de afeto entre pai-filho, coisa que supostamente não existiria na relação com o padrasto.

Todas essas idealizações sobre a figura paterna vão criando em nós uma referência própria para essa palavra “Pai”, e numa cultura judaico-cristã como é majoritariamente a cultura ocidental, essa idealização tem repercussões bem maiores.

Quando a gente associa que “Deus é Pai” tendemos a misturar as referências do que entendemos como Deus, enquanto Ser Divino, e como Pai, a figura paterna que cada um tem. E se Deus é esse ser amoroso, bondoso, compassivo e acolhedor do nosso imaginário, também vamos apreendendo esses atributos como qualidades inerentes à nossa figura paterna. Logo, nossos pais devem ser igualmente amorosos, bondosos, compassivos e acolhedores.

Mas e quando nossos pais não são assim?

Será que conseguimos olhar para eles e vê-los como são realmente?

Ou será que passamos a vida dando chances para que eles “se tornem” a figura paterna compatível com a divina e finalmente nos “confirmem” que são mesmo tão amorosos quanto esse Deus que concebemos?

Acreditar que se ficarmos dando oportunidades para que a figura paterna aja de uma forma coerente com o nosso ideal de amorosidade pode não ser saudável, pode nos levar a constantes frustrações quando essa figura paterna não corresponde ao que imaginamos. E talvez porque essa figura paterna não seja mesmo amorosa e nos negamos a aceitar isso.

O Brasil é um país que tem mais de cinco milhões e meio de crianças sem registro de paternidade e outros milhões de crianças que apesar de conhecerem os pais sofrem de abandono material e afetivo. 

Mesmo numa família tida como tradicional, onde existem as figuras paterna e materna convivendo juntas, é muito comum que o pai esteja ausente na maior parte do tempo principalmente sob a justificativa de que “está trabalhando”. Esse pai operador e funcional o tempo todo é muito valorizado!

Assim como Deus está longe no céu e sempre ocupado mantendo tudo em sua ordem, tendemos a desculpar esse pai ausente que também se mantém ocupado todo o tempo e não pode nos atender como queríamos ou precisávamos. Talvez isso crie o pensamento "tudo bem, porque trabalhar é muito importante e os pais trabalham, e eu também preciso trabalhar muito para o papai me aprovar..."

Na construção da nossa identidade, as figuras paterna e materna são os primeiros modelos de comportamento que a criança vai assimilar e enquanto energias, pai e mãe representam a nossa própria energia masculina e feminina.

Absorver um modelo paterno saudável coloca em movimento a nossa própria energia masculina também de forma saudável e podemos criar e produzir coisas no mundo concreto com mais facilidade se essa energia estiver circulando livremente em nós.

Já num conflito com a energia masculina em nós, homens e mulheres, tendemos a bloquear esse fluxo e podemos ter problemas com nossa afirmação no mundo real, com mais dificuldade para manter uma posição social e de trabalho e nossas produções podem ficar comprometidas.

Mas o Deus bíblico não tem apenas atributos positivos, ele também tem inimigos, é vingativo e muitas vezes sanguinário. Não perdoa infidelidades, manda matar todos aqueles que não o adoram e não cumprem o que ele manda. Ainda, reconhece como seus filhos somente aqueles que foram predestinados a ser do seu povo escolhido, reservando a todos os demais o julgamento e a danação eterna.

Como fica a nossa identificação com nossos pais quando eles representam esses atributos negativos da figura divina?

Se Deus é Pai, então talvez esse Pai teria certa liberdade para ter e exercer esses atributos negativos da figura divina também. São aprovações inconscientes que vão acontecendo conforme assimilamos a cultura, quando não temos a chance de lançar um olhar mais crítico aos efeitos dessas afirmações escondidas nos ditados populares e no senso comum.

Nesse contexto, um homem identificado com o lado negativo da figura do “pai divinal” poderia se sentir confortável de impor sua vontade em qualquer ambiente, sua palavra tem valor absoluto e, portanto, qualquer resistência à sua vontade deve ser eliminada. Afinal, Deus é Pai e não tolera ser contrariado.

Do outro lado, a mulher identificada com essa mesma figura poderia desenvolver uma culpa interna por se colocar contrária à imposição do pai – seu pai ou o pai dos seus filhos. Talvez ela ainda precise se sentir aceita como a filha do seu pai e aceite irrestritamente tudo que essa figura masculina lhe impõe. Talvez a dominação faça parte desse imaginário e assim permaneça obediente e submissa, vinculada a um ambiente onde estará vulnerável. Ou ainda, pode ter que pagar o preço por resistir a essa dominação justificando para si mesma um ambiente de intolerância e abuso.

Fato é que o Brasil, que apesar de ter a maioria da população assumidamente cristã, admitimos homens com perfis dominadores e abusivos na função de pais dentro do contexto familiar e, talvez por conta disso, tenhamos resultados surpreendentemente cruéis nos quadros de violência contra a mulher onde os companheiros e pais são os maiores autores de agressões contra mulheres.

Se queremos contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e saudável precisamos rever as referências que usamos para construção da figura paterna de todos nós. Enquanto o Pai, no nosso imaginário, for essa representação de atributos negativos como intolerância, autoritarismo, abandono e violência, tendemos a reproduzir e aceitar esses mesmos comportamentos em escalas maiores – que tornam nossa vida em sociedade menos rica e muito menos saudável.

Talvez se conseguirmos olhar para os nossos pais, reais ou internos, como eles realmente são, com todas as suas imperfeições e falhas, aceitando que as pessoas são assim e acolhendo-as em suas incompletudes, não precisaremos mais comparar homens a deuses nem esperar que nossos pais se comportem como Deus, para o bem ou para o mal.

Talvez Deus seja Deus, mas eu penso que Pai possa ser somente pai mesmo.


domingo, 8 de outubro de 2017

O Sol

E chegamos no maravilhoso arcano do Sol, o indivíduo que se encontra com todo seu potencial de vida e realização, que venceu seus medos e agora conseguiu integrar plenamente seu ser interno.

A imagem mostra uma criança muito contente montada num cavalo branco e segurando um estandarte cor de laranja, cercada de girassóis num jardim murado, e atrás dela brilha altivo o Sol do meio dia com todo seu calor e radiância. Tudo nesta carta é alegre!

A carta do Sol e toda sua simbologia vem nos falar de um feliz renascimento, aquele que acontece quando finalmente nos conhecemos em toda nossa essência e verdade.

A criança está nua e todos os elementos da carta olham para a frente, pois não há medo de se expor de forma verdadeira.

A criança é o símbolo da nossa espontaneidade, aquele atributo que ficou escondido enquanto íamos construindo uma personalidade a partir do que os outros queriam de nós. Foi necessário atravessar todos os arcanos anteriores para que pudéssemos resgatá-la, mas enfim a criança interna conseguiu emergir e agora é ela quem guia a nossa vontade.

A vontade interna está simbolizada pelo cavalo branco, o veículo de externalização daquilo que nosso coração realmente deseja e que agora a criança poderá conduzir livremente por onde quiser andar.

O cavalo branco é um símbolo poderoso no território do inconsciente. Freud expôs sua teoria psicanalítica sobre a sexualidade humana ao escrever “O Caso do Pequeno Hans”, quando acompanhou um menino que sonhava com cavalos brancos que devoravam seu pênis. Estudando a relação simbólica dos elementos desse sonho infantil, Freud desenvolveu a base de toda a psicanálise, identificando a energia sexual como mobilizadora primordial dos indivíduos e os possíveis caminhos para manifestação dessa energia na vida adulta considerando a capacidade de interação com as figuras materna e paterna no Complexo de Édipo.

Foi estudando o pequeno Hans que Freud percebeu a relação simbólica entre falo-poder-cavalo branco e como esses símbolos estão interligados na busca de cada pessoa pelo seu próprio poder pessoal e autoafirmação.

A cor laranja dá o tom dessa carta, já que é uma cor vitalizadora e que evoca o positivo. O laranja é usado na cromoterapia por seu comprimento de onda ter a capacidade de eliminar miasmas e conteúdos energéticos externos que ficam grudados no nosso campo magnético, é uma cor desimpregnadora. Neste arcano, tudo que for influência externa, tudo que não vem da espontaneidade da própria criança, fica de fora.

O espaço é murado porque agora a criança está protegida em seu próprio território psíquico, ela já sabe o que é realmente genuíno de sua parte e cultiva seu jardim interno para que os girassóis possam crescer e sorrir de volta para ela. Nesse espaço sagrado só entra quem tem respeito pela sua trajetória, já que levou tempo para que esse jardim interno fosse cultivado, cuidado e pudesse florescer.

Aqui já não há mais necessidade de ataques ou de ativação dos mecanismos de defesa, até porque já foram percorridos os arcanos anteriores que simbolizam os momentos de iluminação das sombras e retomada da consciência sobre repetições e vitimismos.

O arcano do Sol acontece naturalmente quando a pessoa, numa atitude de autorrespeito e autopreservação, consegue se manter protegida psiquicamente por se colocar conscientemente fora das situações de risco. Isso envolve aprender a escolher as companhias, situações e ambientes, evitando tudo aquilo que possa ser tóxico e impedir seu desenvolvimento saudável.

E até o Sol é uma entidade nessa carta, com um rosto e uma expressão próprios. A criança da carta parece coroada de Sol, literalmente iluminada pelo astro rei. O Sol representa a emanação divina primordial; é pela luz do Sol que recebemos a consciência do amor e da verdade. É também pela ação da luz do sol no corpo que nós produzimos as vitaminas e hormônios que estimulam um crescimento físico saudável - e é nos lugares do planeta onde há menor insolação anual que se registram índices mais altos de depressão e suicídio.

A emanação solar nos traz luz e calor e a carta do Sol fala desse momento em que nossa existência é a própria manifestação divina da iluminação e do amor sobre a Terra. Podemos nos tornar deuses criadores da nossa realidade quando assumimos a direção dos nossos cavalos brancos e manifestamos nossa vontade no mundo concreto, realizando aquilo que realmente emana do nosso coração – o sol interno.

Isso é real autodeterminação, ter liberdade para fazer aquilo que genuinamente se deseja. E sem esperar um olhar de aprovação do outro para aquilo que queremos, apenas nos permitindo realizar.

Sempre que há espaço para esse alinhamento verdadeiro do indivíduo com sua essência, o resultado será positivo para ele e para os outros. Porque na essência todos somos luz, todos somos manifestações divinas. Podemos ser encobertos pelas interpretações equivocadas que fazemos do nosso ambiente e entorno, mas conforme vamos recobrando a consciência sobre nós mesmos e sobre a nossa verdade, vamos também resgatando a clareza sobre a vida, sobre nossas atitudes, capacidades e possibilidades.

Quando chegamos nessa compreensão sobre nós mesmos, não há mais insegurança para nos mostrarmos ao mundo como somos. E mais, não temos reservas para compartilhar com os outros a satisfação de estarmos livres para sermos nós mesmos. Vejam só que linda essa representação do arcano do Sol na coleção Bota Tarot, ao mostrar duas crianças nuas brincando sob o Sol.

Elas compartilham do momento de alegria porque a atitude espontânea da criança quando se sente feliz é o compartilhar. A aproximação com o outro não é mais temida, o outro não é mais uma ameaça se ele também for inteiro.

Mas apesar da espontaneidade ser um atributo primordial na atitude humana, restringimos o olhar à espontaneidade como algo infantil no sentido negativo. A espontaneidade cabe somente à infância porque na vida adulta não podemos ser espontâneos, na vida adulta não cabe qualquer atitude impensada, temos que estar vigilantes para perceber e avaliar onde cabem e onde não cabem certas atitudes.

Na verdade, é ainda na infância que vamos percebendo que nossa espontaneidade não tem lugar no mundo dos adultos. D. Winnicott percebe que até os bebês vão moldando seu comportamento conforme o humor e a expressão das mães para com eles. No seu livro “O Brincar e a Realidade”, ele propõe o seguinte entendimento:

“O bebê rapidamente aprende a fazer uma previsão: 'Por enquanto, posso ficar seguro, esquecer o humor da mãe e ser espontâneo, mas, a qualquer momento, o rosto dela se fixará ou seu humor dominará; minhas próprias necessidades pessoais devem então ser afastadas, pois, de outra maneira, meu eu (self) central poderá ser afrontado'.”

Assim, crescemos com a falsa noção de que sermos nós mesmos é um fator de risco à nossa segurança, só sobreviveremos e teremos nossas necessidades atendidas se nos adaptarmos às exigências do ambiente e ao que as outras pessoas esperam de nós. E no final, vamos perdendo nossa espontaneidade, vamos enrijecendo, perdendo a flexibilidade. Cada vez mais, vamos nos distanciando da nossa criança interna que quer brincar e compartilhar sua felicidade com as outras pessoas.

Ao descrever a simbologia do sol, dos círculos e das mandalas, Jung na sua obra “O homem e seus símbolos” cita Marie Luise von Franz, que realmente foi muito feliz em sua conceituação sobre o elemento circular enquanto representação da verdade individual de cada um:

“... o círculo (ou esfera) como um símbolo do self: ele expressa a totalidade da psique em todos os seus aspectos, incluindo o relacionamento entre o homem e a natureza. Não importa se o símbolo do círculo está presente na adoração primitiva do sol ou na religião moderna, em mitos ou em sonhos, nas mandalas desenhadas pelos monges do Tibete, nos planejamentos das cidades ou nos conceitos de esfera dos primeiros astrônomos, ele indica sempre o mais importante aspecto da vida — sua extrema e integral totalização.”

É daí a importância do Sol como símbolo máximo da integração da personalidade ao ser interno mais puro, da integração total do Ego.

O círculo não tem começo nem final, é uma unidade em si mesmo. A psiquiatra brasileira Nise da Silveira, que se dedicou profundamente ao estudo da esquizofrenia, notou a repetição dos símbolos solares nas figuras produzidas pelos seus pacientes esquizofrênicos, o que a levou a se aproximar de Jung e com ele organizar uma exposição das pinturas desses pacientes.

Para Nise, a esquizofrenia seria uma fragmentação do ser interno que se perde de si nesse processo de atender às demandas do mundo externo, levando-o a um isolamento e permanência no seu mundo interno próprio. Ao proporcionar momentos para que os pacientes lidassem com sua energia espontânea e criativa, eles buscavam novamente pela unidade desse ser interno produzindo figuras circulares e a partir dessas produções criariam pontes para ser relacionarem novamente com os outros.

Viver o arcano do Sol é resgatar a espontaneidade da criança e a unidade do ser interno que pode viver em seu mundo interno e também no mundo externo, dando lugar para sermos e agirmos novamente conforme a nossa verdadeira natureza.

Talvez a maior expressão desse momento solar arquetípico aconteça quando estamos dançando. A dança une o corpo, a emoção e a mente, todos alinhados a fim de criar um resultado físico. Na dança, o indivíduo está concentrando sua energia para manifestar através do corpo o que ele sente internamente e faz isso com um comando mental que decodifica esse sentir e o traduz em movimentos corporais.

A dança espontânea é também uma ponte eficiente para resgatar o contato com a criança interior, porque evoca essa conexão mente-emoção-corpo que é natural na infância e vai sendo esquecida conforme crescemos e nos esforçamos para nos encaixar nas opções que nos dão ao longo da vida.

Dançar pode ser uma ótima maneira de trazer nossa espontaneidade à tona novamente, e conforme vamos permitindo esses momentos de conexão com nossa criança interna a vida externa vai se abrindo também para deixar que essa energia emerja, quebrando os enrijecimentos e inflexibilidades internos e realinhando a nossa realidade com a nossa verdadeira vontade. Assim como é fora, é dentro.

E justamente o aspecto lúdico da dança corrobora com a tese terapêutica de Winnicott, que afirma que "é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente  sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)".

Nesse sentido, eu gosto muito da representação do arquétipo do Sol feita na coleção Gaian Tarot, colocando a dança como expressão dessa liberdade espontânea e criativa. Nessa representação, a felicidade de agir livremente reluz todo o nosso brilho de dentro para fora.
  
Quando esta carta surge numa leitura de tarot, indica que este é um momento de alegria, vitalidade, sucesso e bem estar. Pode indicar também uma fase da vida em que finalmente você possa se sentir em paz com sua história pessoal e permita-se a alegria de deixar sua essência vir à tona. É tempo de agir com liberdade e espontaneidade, sem amarras e sem medo do julgamento dos outros.

Viva toda a felicidade de ser quem você é!

Verbenna Yin
Astros - Tarot - Psicanálise

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Como você toma seu café?

Durante muito tempo eu tomei café com leite e bastante açúcar. Eu demorei muito tempo para perceber o real sabor do café, sempre misturava coisas nele para diminuir a sensação de café amargo.

Até um dia em que ouvi de uma pessoa muito sábia que “o amargo é um sabor necessário”.

Nunca tinha pensado nisso, sempre que me deparava com algum sabor amargo eu “disfarçava” esse sabor acrescentando coisas que modificassem o resultado final ao paladar. Não é assim que fazemos com as saladas de folhas amargas, com o chás, os remédios para crianças e até com o nosso café das manhãs?

Naquela frase sobre o café havia todo um aprendizado que foi acontecendo a partir do paladar e se estendeu para outras áreas da minha vida.

Eu vivia uma vida muito amarga, mas eu não percebia isso. Trabalhava tempo demais e me sentia refém daquele emprego, tinha muita raiva das impossibilidades dessa situação e o excesso de preocupação com o futuro me colocava na defensiva em relação às novidades e surpresas da vida. Também comia muito doce nessa época, descia do escritório para a loja de doces todas as tardes e à noite ainda me dava um chocolatinho de presente, e claro sempre usava muito açúcar em todas as bebidas.

Me dei conta do quanto eu disfarçava minha própria insatisfação com aquela vida amarga trazendo o doce para a boca.

Aprendi que o açúcar anestesia as papilas gustativas e que quanto mais açúcar consumimos, menos percebemos o doce natural dos alimentos. É por isso que nas cafeterias se oferece um copinho de água com gás junto com os cafés, tomando a água antes o gás ajuda a limpar as papilas e ativá-las para que se possa perceber todas as notas do café em seguida.

O efeito do açúcar nas papilas é acumulativo então a tendência é cada vez usarmos mais açúcar para chegar no mesmo nível de doçura inicial. Uma droga.

Mas a atitude de adoçar o sabor a amargo do café era uma imagem nítida do quanto eu me negava a admitir o sabor amargo daquela minha vida. Negando o amargo, ele deixava de existir né? Só na minha cabeça, só no meu cérebro o açúcar tinha esse efeito de aniquilar o amargo, na verdade o amargo estava ali o tempo todo. O que eu estava fazendo era enganar os sentidos para não percebê-lo.

E foi com essa observação que eu fui me permitindo sentir o amargo do café. Aos poucos fui tirando esse excesso de doce e de açúcares da alimentação, tirando os disfarces e olhando com honestidade os sabores que a minha vida tinha. Fui aprendendo a conviver com aquele amargo, aprendi a reconhecer esse sabor, a entendê-lo e finalmente a aceitá-lo.

O amargo fortalece o coração e nos prepara para apreciarmos melhor tempos de real doçura. A medicina chinesa incentiva o uso de alimentos com sabor amargo para tratar as doenças do coração e há estudos médicos que relacionam alimentos amargos a uma melhora no nível de contração do coração, contribuindo para um funcionamento saudável desse órgão.

Hoje consigo tomar meu café sem açúcar e estou aprendendo a perceber os aromas que compõem uma safra ou outra e as pequenas diferenciações de regiões e intensidades. Também estou conseguindo conviver melhor com as minhas imperfeições, com as limitações e impossibilidades da situação de vida que tenho hoje e com as coisas que não tenho poder para controlar.

Dizem que para apreciar um bom café precisamos adquirir um paladar adulto. Ainda não cheguei nesse ponto não, mas já consigo estabelecer uma relação de respeito com os sabores amargos. Na boca e na vida, porque minha Lua está em Touro. Mas isso já é assunto para outra conversa :-)

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Eclipse em Leão – 21/08/2017

Eclipse Agosto 2017

Neste mês de agosto de 2017 vamos encarar toda a força do elemento fogo na morada de Leão. Teremos duas luas novas e um eclipse neste período, ativando as emanações dessa energia para todos nós.

Constelações são agrupamentos de estrelas que emanam consciência, e da constelação de Leão recebemos os influxos que nos permitem entrar em contato com nosso Eu mais verdadeiro. 

Quando a Terra e o Sol estão alinhados na direção da constelação de Leão formam um canal para recepcionar esses influxos afetando toda nossa atmosfera, impregnando o ar que respiramos e levando essa consciência para o nível celular. Falamos sobre o signo de Leão aqui no blog, vale a pena ler a descrição desse signo para se antenar com os ideais que estarão pelo ar neste período.

Todos nós reagimos a esse contato etéreo, alguns com percepção ativa outros nem tão perceptivos assim, mas o fato é que a energia nos atinge a todos. 

Nesse período, ficamos mais dispostos a uma valorização pessoal, olhando mais por nós mesmos e reconhecendo nossas necessidades mais que a dos outros. Também é um tempo de maior criatividade e passamos a ter vontade de colocar em prática os planos até então guardados só pra nós, a vergonha passa e queremos mostrar aos outros nosso melhor: nossas ideias, nossos dons, nossos filhos e criações.

Em 23/07/2017 tivemos a primeira lunação de Leão, a lua nova que marca o início deste ciclo e que coincidentemente caiu no grau zero da constelação em conjunção com o planeta Marte.

Marte é um planeta que nos estimula a sair da zona de conforto, de buscar aquilo que desejamos e de nos diferenciar dos demais. Conjugando esses valores de Marte com toda a consciência emanada de Leão, temos uma ativação dessa energia que nos mobiliza a buscar o melhor para nós e de usar nossas habilidades para nos destacarmos, inspirando uns aos outros a alcançar valores humanos mais elevados.


A energia de Marte também é de fogo e durante esta lunação este será o elemento mais presente por aqui: insights que chegam de repente, intuição ligada, vontade de realizar, ações impulsivas, tudo isso é efeito da energia do fogo em nós respondendo a essa conjunção astrológica. A vontade mais pura de cada um vai se manifestar de algum jeito e ligar os botoezinhos internos que promoverão um trabalho de autorreconhecimento e valorização.

E a ideia desse trabalho pessoal é retomar o controle da sua vida para que você tenha espaço de ser quem realmente é e fazer o que você quer mesmo. Marte é territorial e vai dar esse tom de comando para que os caminhos se abram e você possa brilhar com tudo que tem de melhor, colocar no mundo seus planos mais originais e se munir de coragem pra enfrentar qualquer crítica. Autoconfiança!

Mas como tudo neste universo é polar, quando não conscientes desse movimento podemos cair no lado negro dessa força toda e acabar ativando uma certa vaidade, um sentimento de superioridade e os mecanismos de defesa para fazer valer só a nossa vontade sobre a dos outros. Cuidado com a agressividade gratuita nas palavras e na convivência, sobretudo cuidado com os impulsos que nos levam a agir com algum risco à nossa segurança pessoal.

O ápice dessas ativações vai acontecer na lua cheia no dia 07 de Agosto, quando a Lua já em Aquário recebe toda a luz do Sol e reflete de volta para a Terra o poder magnífico dessas emanações celestes. Jogando a luz sobre nós, a lua vai nos mostrar em que área da nossa vida será necessário nos valorizarmos mais e buscarmos aquilo que merecemos, num contexto de colaboração coletiva em que todos evoluem e todos ganham. Marte vai fortalecer decisões tomadas neste tempo e dar uma dose extra de energia para que os movimentos possam acontecer.

Mas esse movimento todo não ficará restrito apenas a essa lunação pois teremos também uma segunda lunação em  Leão (lua nova) em que o alinhamento formará um eclipse solar (quando a lua passa na frente do Sol) no dia 21 de Agosto. 



Simbolicamente, a Lua ofuscando o Sol marca na Terra pontos onde há menos clareza para lidar com toda essa energia. Nas regiões atingidas pela sombra do eclipse é possível que existam eventos que dificultem o acesso da consciência leonina e promovam tempos de maiores desafios para a valorização do humano e sua dignidade. Talvez sejam os locais onde a manifestação negativa dessa energia tão forte aconteça.

Essa pausa da lua na energia ígnea acontece no decanato de Sagitário, atual morada de Saturno, mostrando também que os processos de valorização pessoal precisam nos aproximar do nosso propósito de vida, que este caminho é ao mesmo tempo uma satisfação pelas conquistas merecidas mas também uma inspiração para seguirmos adiante buscando novas etapas, novos merecimentos e novas criações. 

Em outras palavras, estaremos diante de um processo poderoso que chega para nos levar pra frente, nos fazendo perceber que ações com foco meramente individual não engrandecem, pelo contrário, apenas confirmam a necessidade primitiva de nos sentirmos especiais como crianças exigindo atenção. O tempo agora é de agir no nosso melhor mas para sermos inspiração para novos tempos, em que produzindo as melhores obras vamos contribuir para uma expansão coletiva.

Para os nativos do elemento fogo (Áries, Leão e Sagitário) o eclipse vai ser particularmente forte e dinamizar áreas da vida que podem ter estado paradas até agora. Vão entrar em ação Saturno e Urano, os deuses antigos que na mitologia fizeram a transição da Era do Caos (Urano) para a Nova Ordem (Saturno). 


Simbolicamente, será um tempo para retirar toda estagnação e ir em direção à uma reorganização pessoal onde seja possível se expressar com mais verdade, ir atrás do que realmente queremos numa ação fiel à nossa natureza. Nesse caminho podem aparecer desafios mais profundos que às vezes requerem humildade, resiliência e rupturas, mas sempre lembrando que tudo concorre para um aprimoramento e acaba sendo uma grande oportunidade de aprendermos mais sobre nós mesmos.

Se quiser saber mais sobre este período ou como ele pode te afetar pessoalmente, marque uma consulta astrológica comigo e vou ter o maior prazer em te atender. As informações para consultas estão aqui.

Desejo que esta breve reflexão tenha sido positiva pra você, nos vemos no próximo post!

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Lua Cheia no eixo Câncer-Capricórnio

lua receptividade

Nesta lua cheia da lunação de Câncer me senti levada a refletir sobre o princípio feminino, o elemento água e a receptividade.

Recentemente circulou pelas redes uma foto sugerindo com flores as fases da dilatação do útero quando a mulher está em trabalho de parto, numa ilustração muito bonita do quando o feminino significa esse florescer da vida.

Como doula, tenho a experiência de acompanhar mulheres se abrindo, por dentro e por fora, para receber uma nova vida e florescerem como mães. É sempre um momento mágico quando esse portal se abre no mundo físico, a começar pela fisiologia da mulher que recebe e promove dentro dela o crescimento do novo ser para que um dia a vida possa passar por ela e vir pra fora, brotar, nascer. Continuar.

Mas hoje eu quero falar sobre a dificuldade da gente se abrir para receber esse fluxo de vida, e que muitas vezes vem manifestado na fala da mulher que “não dilatou” no trabalho de parto.

Existe uma relação simbólica entre o signo de Câncer e o arquétipo da Grande Mãe, aquela mulher grandiosa que recebe todos os seus filhos. O signo de Câncer exalta os atributos do feminino, é ligado ao elemento água (manifestação da energia feminina) e simboliza a potência feminina de gerar uma nova vida, alimentá-la e sustentar com sua própria existência feminina (física e espiritual) a continuidade da vida na terra.

É no elemento água que ficam gravadas as memórias, e é no corpo feminino que fica gravada a programação do desenvolvimento de um novo ser. É o corpo da mulher que sabe como dividir e multiplicar células e átomos, combiná-los entre si para que formem órgãos, tecidos e membros, que num crescimento organizado, com simetria e beleza, se transformarão um dia numa criança. Uma nova criação.

O óvulo feminino também tem uma característica importante que é a capacidade de escolher o melhor espermatozoide para deixá-lo entrar e fundir-se na fecundação. 

Durante muito tempo se acreditou que esse mérito seria do espermatozoide “mais rápido”, numa alusão à primazia do caráter ativo masculino. Hoje, felizmente, a ciência corrige essa visão e atesta que na verdade o óvulo que detém uma inteligência para analisar qual espermatozoide resultará na combinação genética mais promissora, permitindo que ele “entre” e conclua a fecundação numa atitude de cooperação criativa.

Essa constatação é revolucionária em seu simbolismo porque remete a um outro nível de receptividade do princípio feminino. Já não é mais apenas uma ausência de atitude como simples passividade, de não ter outra opção a não ser não realizar, mas antes disso representa uma atitude em si só manifestada passivamente em permitir, deixar acontecer. 

Isso muda o foco, passamos do “não posso evitar”, para o “posso permitir”. 

Eu posso. Eu confio que posso.

Em Câncer as águas nos permitem, nossa memória ancestral ainda que inconsciente nos preenche dessa potência que antevê possibilidades, faz combinações de probabilidades e nos guia a novos objetivos e produções - e é daí que nascem os novos sonhos. 

Úteros são o lugar de onde vêm os sonhos e todas as novas criações. 

E a lunação de Câncer eclode na lua cheia em Capricórnio, o símbolo da competência máxima e da resiliência do elemento terra – que também é um elemento feminino. 

Não existem impossibilidades para Capricórnio, a vida sempre encontra uma forma de continuar.


A figura associada a este símbolo é o da cabra montanhesa, aquela cabra que anda nas encostas íngremes das pedras altas e muitas vezes fica no topo da copa das árvores das regiões áridas, numa demonstração de força e capacidade plena que lida com qualquer tipo de adversidade. 

E nessa relação arquetípica entre a Grande Mãe e a Cabra Montanhesa que se estabelece na lua cheia da lunação de Câncer, é que vislumbramos o grande potencial do princípio feminino: a continuidade da vida.

Acreditar nesse potencial é essencial para que os processos de maternidade aconteçam de forma saudável, e reconhecendo o trabalho de parto como uma conclusão do processo gerador é muito importante que a mulher se sinta confiante deste mundo como lugar para acolher aquela nova vida.

Mas nem sempre é possível alimentar essa confiança num mundo que é tão hostil com as mulheres, onde vivemos acuadas por violências quotidianas e sob um estrito código de comportamentos permitidos, onde não temos representatividade para tomar decisões coletivas e arcamos com nossos corpos as imposições de uma cultura machista, invasora e cruel.

Como permitir que aquela nova e frágil vida chegue nesse tipo de mundo?

Como protegê-la deste mundo?

Ter dificuldades para dilatar no trabalho de parto muitas vezes significa esse diálogo interno e inconsciente, que toma lugar naquele estado alterado de consciência quando os corpos femininos estão inundados de oxitocina e neurotransmissores que as conectam com a fonte da vida. É nesse templo sagrado feminino que toda a angústia de ser mulher se manifesta e que, numa atitude instintiva, se traduz num proteger sem fim que retém a energia criadora dentro de si mesma.

Estou propondo aqui a imagem do trabalho de parto, mas no fundo estou falando de todas as nossas criações, todas as nossas obras. Porque podemos ser mães de muitos sonhos.

O que mais você criou e não pôde trazer ao mundo?

Que sonhos foram interrompidos e não tiveram a chance de chegar?

Interromper o fluxo de criação da vida com o medo pode perigosamente destrutivo. As doenças femininas, os cânceres, as dores do não permitir que a vida aconteça são marcas vivas de que não foi possível confiar.

Tão importante é acreditar na continuidade da vida e na capacidade que cada ser tem em si de fazer o melhor apesar das condições dadas. Ter dentro de nós a certeza disso é todo um trabalho interior a ser feito e refeito dia-a-dia, mas essencial para nós mulheres podermos seguir em paz com nossa natureza sonhadora e geradora de novidades.

Que nesta lua cheia possamos todas meditar nos simbolismos do eixo Câncer- Capricórnio, pacificando dentro de nós o fluxo dos sonhos e das criações, permitindo que a energia criativa nos atravesse e nos traspasse para ganhar o mundo, para que todo nosso potencial feminino possa se manifestar em harmonia com a natureza, dilatando sempre para florescer plenamente a alegria de sermos mulheres.