Encontrar a medida do que seria uma escuta empática e um apoio real à pessoa é o maior desafio da vida de analista. Precisamos sempre considerar a visão de mundo que essa pessoa tem, entender quais são seus valores de vida e muitas vezes ajustar a nossa lente para contemplar o mesmo horizonte que ela vê. Para quem busca o apoio da terapia, certamente o desafio é encontrar um profissional que esteja disposto a fazer essas concessões internas para acompanhar o passo do indivíduo e resistir ao impulso de educar ou colonizar o outro dando "orientações" e "conselhos" - que poderia funcionar muito bem na individualidade do analista mas que talvez não caibam na realidade da pessoa atendida.
No novo livro do analista junguiano Murray Stein, Sincronizando Tempo e Eternidade, esse assunto é abordado num relato de caso bem peculiar:
"Certa feita, supervisionei uma candidata em treinamento que estava trabalhando com uma mulher de meia idade de ascendência europeia e cristã, como também ela, mas que havia se convertido ao islamismo e casado com um homem bem mais velho, cidadão de um país do Oriente Médio. A terapeuta ficara chocada pela atitude da paciente diante do que em geral consideraríamos um grave abuso verbal (mas normalmente não físico) do marido. Por um lado, a paciente era uma acadêmica altamente conceituada. Mas, por outro, agia como uma filha dependente e submissa diante do marido mais velho. (...) Porém, sob a influência das expectativas e padrões culturais do marido, ela via o abuso como uma situação normal. (...)Ela optou por viajar o máximo possível a trabalho e agir em casa como se fosse uma escrava (...) Ao que tudo indica, as possibilidades de individuação se haviam congelado diante de um padrão cultural que não considera as mulheres inteiramente humanas nem capazes de maturidade e plenitude. Contudo, no decorrer do tempo, minha aluna e eu percebemos que uma necessidade religiosa muito mais profunda estava sendo suprida com a adesão aparentemente irracional dessa mulher a padrões culturais tão diferentes daqueles que conhecemos e consideramos a norma. Na verdade, ela estava sacrificando as liberdades e a identidade cultural que herdara como mulher no altar daquilo que vivenciava como um valor transcendente da espiritualidade em um tradição bastante distinta daquela na qual fora criada. Nós não poderíamos impor nossas convicções a ela sem prejudicar seu processo de individuação (a nosso ver, aparentemente bizarro).Como nos ensinou Jung, a psique humana é um grande mistério e segue seus próprios caminhos. Precisamos ser humildes diante de tais paradoxos e procurar entendê-los de uma perspectiva mais profunda, que vá além de nossas preferências e pressupostos culturais pessoais. Felizmente, a candidata de que falo, uma mulher madura e muito experiente como psicoterapeuta, conseguiu continuar trabalhando com essa paciente com base no princípio junguiano de que o SELF está em ação mesmo quando não o compreendemos."
Essa é a grande diferença do trabalho da psicanálise com as propostas mais orientativas de mentoria ou coaching, que são linhas válidas para propósitos específicos mais ligados a metas a serem atingidas. Já na análise, que é um trabalho de investigação do Ser, confiamos no princípio da AUTORREGULAÇÃO DA PSIQUE que atrai para si as situações que a pessoa precisa para se reencontrar.
Você já se deparou com algum impasse entre a sua visão de mundo e a do seu terapeuta? Conta pra mim nos comentários como você resolveu.
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