Entrevista Lilith

Ontem fiz uma postagem resgatando a entrevista que fiz para o UOL no ano passado e me dei conta de quanta informação deixa de ser aproveitada na grande mídia, apesar da informação existir e estar disponível.

Especialmente, fiquei considerando aqui o quanto as publicações da mídia selecionam as narrativas e não dão espaço para o pensamento mais crítico de temas que interessam ÀS MULHERES.

Por isso decidi postar aqui a íntegra da entrevista, a versão que não foi publicada. Para quem é mulher, vejam só como já havia no céu indicações de movimentos mais contundentes em relação à preservação de conquistas feministas que se confirmaram nos meses seguintes, além de todo o teor do texto que se perdeu na versão que foi publicada.

Pois é gente, muito a caminhar. Ainda....



De quando a quando Marte fica alinhado com Lilith em Áries?

Desde Agosto/2020 Marte e Lilith estão conjuntos em Áries e isso representa restrições à liberdade da mulher fazer escolhas por si mesma, influenciando na redução dos deslocamentos, ameaça à autonomia e trabalho e também na oposição às decisões sobre o próprio corpo.

Em 30 anos, temos o menor índice de mulheres no mercado de trabalho, muitas tem se comprometido exclusivamente no cuidado com filhos longe da escola e com familiares doentes durante a pandemia e com isso restringido sua livre circulação. Em agosto tivemos o emblemático caso da menina de 10 anos que foi estuprada pelo tio, engravidou e teve sérias dificuldades para acessar o serviço público de aborto legal garantido em lei. Estas são algumas representações de como esse posicionamento se manifesta na vida real das pessoas, um período no qual os direitos das mulheres (Lilith) ficam ameaçados pelo pensamento machista dominante (Marte).

A influência de Marte sobre Lilith permanece até 20 de outubro, quando a conjunção se desfaz.

Você pode falar um pouco sobre Lilith, visto que é um elemento pouco explorado dentro da astrologia nos meios de comunicação?

Lilith é um ponto da trajetória lunar e na astrologia representa um momento de maior conscientização das expressões da energia feminina nós, homens e mulheres, aspectos esses que são reprimidos pela cultura vigente. Essas expressões não são aceitas nem vivenciadas plenamente por conta da nossa socialização, que ainda é muito falocentrista e determina papéis a cada um em função do seu gênero. Como essa expressão fica contida, reprimida, a pessoa sente que não consegue se expressar inteiramente pois esbarra na noção cultural do que é adequado demonstrar.

Por exemplo, para as mulheres entrar em contato com esse ponto do mapa traz mais clareza de que comportamentos ela sustenta para agradar uma figura que tem autoridade moral sobre ela, e que na prática exerce alguma dominação emocional e a torna dependente, submissa. Quando a mulher se dá conta disso, ela consegue se reencontrar, começa a identificar melhor o que ela realmente deseja por si e interrompe a dedicação a outras pessoas e causas que não a beneficiem. Ela recupera o seu poder e se autoriza a crescer, ainda que isso desagrade ou não seja compreendido.

Para os homens esse também é um ponto interessante de muito ganho de consciência pois ele começa a entender que as mulheres são muito mais do que figuras de amorosidade e cuidado que os papéis sociais determinam, assim conseguem se relacionar com mais profundidade com mulheres reais, vencendo as idealizações sobre o feminino e indo além nas relações afetivas por não se intimidarem mais com essa mulher real que dá conta da sua vida sozinha e não precisa dele, mas que o quer como companheiro.

Já o mito de Lilith vem da antiga cultura hebraica, que temia a expressão feminina mais independente e autônoma e passou a associar esses comportamentos a uma “influência demoníaca”, desqualificando as tentativas de uma postura mais independente das mulheres. No mito, Lilith tem longos cabelos vermelhos e essa imagem simboliza tanto que ela não se submete ao masculino (não corta os cabelos como as mulheres casadas) nem deixa de estar consciente do seu valor e do que tem vontade (a cor vermelha dos cabelos na cabeça).

Ela é como se fosse nossa "lua obscura", certo? Em alinhamento com Marte, um planeta de energia mais yang, como podemos perceber os resultados dessa soma de polaridades?

Na prática, a conjunção Marte e Lilith traz à consciência coletiva os condicionamentos que a cultura patriarcal impõe à mulher e faz com que a gente reconheça as desigualdades e injustiças desse condicionamento, ainda quando não declaradas.

Porém, o resultado dessa interação é a predominância de Marte sobre a Lilith e com isso notaremos eventos que simbolizem a dificuldade de lidar com um feminino mais livre e atuante, gatilhos na consciência coletiva que podem nos conduzir a retrocessos nos direitos de autodeterminação e autonomia feminina; autodeterminação para decidir por elas mesmas o que querem fazer da sua vida e autonomia para se moverem na direção das suas conquistas, sem depender da aprovação de outras pessoas.

Muito da autonomia e autodeterminação das mulheres sofre restrições efetivas por conta da cultura dominante, como o caso da menina de 10 anos que mesmo tendo o direito ao aborto legal sofreu represálias por parte de pessoas – homens e mulheres – que sustentam uma visão arcaica das relações humanas baseada no machismo, na qual não se aceita a livre decisão de uma mulher. Ninguém questiona a decisão do estuprador, apenas se cumpre a lei e ele é preso. Mas quando a mulher decide sobre o seu corpo, isso é questionado ainda quando ela tem esse direito afirmado pela lei. Nessa visão arcaica, a mulher precisaria ainda ser tutelada por uma figura de autoridade que sabe mais que ela e irá validar sua decisão: um juiz, um deputado, uma ministra, etc.

O alinhamento Marte/Lilith permite então que a gente note esse tipo de evento e se questione mais profundamente, percebendo as sutilezas dessa situação e ampliando a compreensão sobre a injustiça das visões limitadas que a cultura impõe.

Como Marte pode potencializar a nossa busca por direitos?

Marte é o planeta da vontade, sua influência nos impulsiona a nos movermos pela vida e realizarmos as nossas conquistas. Nessa conjunção, Marte pode conferir um maior dinamismo e articulação para que as ações necessárias à garantia da igualdade feminina sejam colocadas em prática. De uma maneira geral ficam mais evidente que pontos ainda precisam ser desenvolvidos e trabalhados na consciência coletiva para superar as amarras da cultura patriarcal. Em termos políticos, essa posição amplifica a conscientização de todos sobre os direitos que precisam ainda ser afirmados, ou reconquistados no nosso caso, para restaurar a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

No caso de Lilith, ela vem influenciar essa busca "marciana" e "ariana" dentro do feminino?

Totalmente, Lilith faz com que a gente se enfureça quando se dá conta dos efeitos que a injustiça e as desigualdades causam. E só essa força furiosa é que nos faz sair da paralisia e começar a buscar melhores oportunidades, e às vezes isso precisa ser feito no grito para que todos escutem e percebam o sofrimento que a opressão do feminino traz.

 Esse alinhamento de Marte e Lilith devem influenciar quais aspectos sociais?

A um primeiro momento deve haver fortes embates nas ideologias a partir de eventos reais que tragam essa temática à consciência coletiva, a independência feminina é sempre um avanço civilizatório e por isso encontra fortes resistências. Porém, conforme Marte vai se deslocando também se afasta da Lilith, e isso faz com que as pessoas repensem essas questões e vão assimilando a importância desses avanços não só para as mulheres mas porque a igualdade de oportunidades beneficia a todos.

Especialmente, a Lilith em Áries é empreendedora, ágil e proativa. Em tempos como os nossos vai representar um modelo feminino mais destemido e ousado para criar soluções inovadoras aos problemas da vida, que define bem o que quer, se expressa com assertividade e é capaz de iniciar novos projetos por si mesma, abrindo caminhos de crescimento.

E quais aspectos pessoais, visto que Marte é um planeta pessoal, certo?

Na esfera pessoal há um ganho na percepção da própria história de vida, percebemos melhor certos processos em que podemos não ter agido como queríamos porque ainda precisávamos da validação de uma pessoa que exercia sua autoridade moral ou dominação emocional sobre nós. Passamos a repensar nossas relações pessoais e a perceber a urgência de fazermos escolhas que nos atendam, e assim deixamos de perder tempo da vida agradando os outros ou realizando as expectativas que eles têm para nós.

Há signos que sentem mais a influência deste trânsito?

Sim, pessoas com Sol/Lua e Ascendente em signos cardinais (Áries, Libra, Câncer e Capricórnio) sentirão mais os efeitos dessa conjunção.

Quais os maiores desafios do periodo?

O maior desafio é não se perder na indignação das constatações, pessoais e coletivas, a respeito do quanto a opressão feminina traz dor e sofrimentos reais. A um primeiro momento essa indignação é importante para gerar o movimento de mudança, mas permanecer nesse tom não ajuda a consolidar essas mudanças. Para mudar e superar opressões culturais, é preciso uma postura mais aberta ao diálogo e à negociação, dar lugar para a parte oprimida poder se expressar com voz própria e agir de forma colaborativa para que as dificuldades que se apresentaram sejam vencidas. Todas essas características são do pólo oposto à conjunção, são características librianas, e indicam a melhor maneira de conduzir qualquer impasse.

E os maiores benefícios?

O maior benefício é criar uma massa crítica capaz de reconhecer desde eventos onde a desigualdade é gritante como também pequenos gestos do dia a dia que fazem com que essa desigualdade perdure nas microesferas. Quando muitas pessoas compreendem a fundo uma mesma questão, a forma de pensar coletiva também se transforma e esse movimento vai se amplificando como uma onda, é um fenômeno humano que garante a nossa evolução enquanto espécie. E tudo tem sua correspondência nos astros, “assim na terra como no céu”.