Hoje é dia da Consciência Negra, uma das datas mais importantes do nosso calendário para mobilizar o pensamento coletivo na direção de uma reparação histórica possível em nosso país.
Coletivamente, estamos vivenciando um reencontro com este tema de forma mais profunda e consciente pois Quíron está no mesmo signo da carta natal do país, Áries, sensibilizando para o efeito da violência e da privação da liberdade de ser.
Eu tenho aprendido muito sobre o tema do racismo e como ele também me alcança e atravessa mesmo quando eu acho que não. Só aprendendo mais sobre isso é que podemos parar de ser coniventes com essa estrutura de opressão tão sofisticada e perversa.
Hoje quero compartilhar com vocês esta produção poética emocionante que me apresentou um pouco mais deste quadro, o poema Lucidez de Luciene Nascimento. Assista também o vídeo no Youtube:
Lucidez
"Quando me perguntam se estou bem, digo: estou bem
dividida entre saber, me alimentar e lamentar
Sinto uma saudade estranha de saber um pouco menos
ser aquele humano médio que passa sem se importar
O caminho da consciência é lugar de desassossego,
E hoje a mais banal notícia já me tira do lugar
e a mente perturbada busca pelo aconchego
Lendo de Sueli Carneiro à Morena Mariah
A quem importa informar existência de Kush
e que a filosofia grega descende da africana
A quem importa estudar cosmovisão yorubá
e refletir Revolução Haitiana
Qualquer pessoa preta que se abre à consciência
Resguarda um certo respeito
por qualquer preto que enlouqueceu
É vital estar ciente que a verdade estraga a ideia de normal que a vida te ofereceu
Você começa a respeitar o torpor de quem bebe, de quem fuma, de quem chora, e quem sente demais
E aos pouquinhos apreende da vivência que a loucura é de quem espera que a cura vem junto omissão e paciência
quando entende que sua cor te faz parte da base de um sistema que sem base não tinha se erguido
compreende a inocência de esperar que os instrumentos do opressor vão ajudar a libertar o oprimido
Existe uma barreira após cada obstáculo
e sobre essa armadilha Aza Njeri vai dizer:
O racismo é como um monstro grande, cheio de tentáculos,
e a certa altura um deles atinge você
Tem um tentáculo pra preta de roupa mais cara
Tem um que ataca o crespo e a pele retinta dela
Tem um tentáculo que enrosca o corpo todo da negra de pele clara e atravessa o peito grande dela
O racismo tem tentáculo pra negra idosa: atravessada pela ideia de que aguenta tudo.
Tem um tentáculo pro negro, que é porteiro, segurança e que por ter que trabalhar desde cedo não teve estudo
Tem tentáculo pro preto ama estudar: não performa sua revolta, então parece afeminado
Tem pra aquele que vivendo intensamente sua revolta já acorda e espera ser exterminado.
Tem o tentáculo pra negra que faz sua faxina
Tem pra aquela que já tá fazendo seu mestrado
Essa metáfora do monstro nos ensina que não tem escapatória pra um racismo que é tão bem estruturado.
Aprendi recentemente que vivo no caos
Que é preciso estar lúcida do caos vivido
e é necessário conhecer a nossa história não contada
Ter na mente o maior número de livros lidos
Contar em roda essas histórias e ouvir atenta
quem despertou pra lucidez muito antes de nós
acumular saberes para com sabedoria
providenciar que mesmo longe escutem nossa voz
e que essa voz seja de tal maneira articulada
que até quem não viveu ou não entenderia
seja tocado para não só se emocionar mas de tão desassossegado
querer se movimentar no dia a dia.
Finalmente estar minimamente organizado
Ao conduzir com lucidez o toda essa dor que a gente sente
Recomendo se benzer pra enfrentar o fim do ano
Que por vezes, sem notar, marca também o fim da gente
E me perguntam se o que falo é por amor à causa
E vê se eu aceito um amor que me dê tanta azia
Já não dá tempo de ler ngela Davis,
provar que a terra é redonda e colocar amor em poesia
Aliás
"Ouça me bem amor
Preste atenção
O mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó"
Não ignore a dor
Tenha visão
Você não está sozinho
Vai encontrar mais gente no caminho
Pra dividir o banzo, a raiva e a dó
Eu falo de ilusão e da tristeza que invade
Porque entendo que clareza desta nocividade
É o que permite nos reconhecer na passividade
Pra resgatarmos todos juntos nossa humanidade
E reunirmos energia pra algum dia alterar a realidade.
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